Já não chegava o resto. Agora está aí a ‘municipalização dos impostos’
Há o Estado -
apetecia-me escrevê-lo com letra pequena e feia como um bode - e há o cidadão.
Do segundo não quero falar pois que a definição que lhe é dada é sobejamente
conhecida. Mesmo assim, gosto de a
relembrar: cidadão é um indivíduo que convive em sociedade, respeitando o
próximo, cumprindo com suas obrigações e não gozando dos seus direitos. Estado é
um imenso dragão faminto, ansioso por arrecadar cada vez mais impostos, de tal
modo que, sem dó nem piedade, cerca e controla todos os contribuintes através
da poderosa máquina estatal de arrecadação, leia-se roubo, tributando tudo
quanto pode ser espoliado ao pacato tributado! O cidadão, nos tempos que
correm, quase não se atreve a sair à rua. Um passo inadvertido, em falso, e
está condenado à usura de quem tem por missão o desprezível saqueamento do
pouco que lhe resta. O cidadão não tem casa própria, pois embora a tenha pago, todos
os anos satisfaz a ’dívida’ que já não tem, o dízimo, à ‘municipalização dos
impostos’. O cidadão já comprou, e caro, o seu próprio esgoto doméstico, mas
periodicamente é obrigado a submeter-se à taxação que lhe é imposta. Paga todos
os meses o saneamento variável e o saneamento fixo. Algum cidadão sabe o que é
tal coisa? O cidadão não pode pisar a calçada de ânimo leve. Se quer
caminhar, há também uma tarifa para a utilização do solo que calca. O cidadão,
ainda que habite no subsolo, ‘incha’ com mais uma décima, desta vez por
ocupação do mesmo. O cidadão não se pode dar ao luxo de ver televisão. Logo que
pague a uma entidade privada, está obrigado a pagar igualmente ao Estado. Contribui
a dobrar mas vê sempre a mesma merda de TV e sempre a mesma merda de Estado. O
cidadão, se não quer ficar às escuras, enche os cofres do Estado e de alguns
privados, para assim poder alumiar o recanto do casebre. Neste caso, os
alumiadores até lhe chamam ‘taxa de exploração’ sendo, ao menos nisto, parecidos
com sinceros. O cidadão precisa de se lavar, beber líquidos, fazer a barba. Ah,
precisa assim de tanta coisa? Tá bem, então vamos lá fazer as contas: paga o
1.º escalão, paga o 2.º escalão, paga o 3.º escalão, paga a quota de serviço,
paga os recursos hídricos e paga mais um adicional à ‘municipalização dos
impostos’. Chega? Se não chegar digam pois desembolsaremos mais. Até ao tutano. O cidadão comprou um carro, ou
melhor, deixam-no utilizar um carro. Benfeitoria só destinada aos tolos. Não? Metade
do preço do dito, são impostos. A outra metade são coimas devidas ao Estado.
Mas coimas estúpidas, posto que se o cidadão se esquece de encher a barriga
ainda e mais uma vez à ‘municipalização dos impostos’, através daquelas
inimputáveis máquinas de extorquir dinheiro público, acho que as apelidam de
parquímetros, até se arrogam o direito de “marcharem” com os automóveis para a
Polícia. Nesta e em algumas outras situações, dão-se ao cuidado de contratar
uns tantos almoxarifes para fazer o trabalhinho. Viva a Idade Média! Triste estado
de coisas. Triste Estado que temos. É mais prevenção armada com receio de
revolta que propriamente regime político amigo do cidadão. Eu, que não sou
comunista, comparando tanta malfeitoria, até já me pergunto se, a haver uma única vantagem que fosse nesses antigos regimes
ditos socialistas, aqueles onde um só pensava por todos os outros, não seria a
de serem os seus regimes mais honestos que o nosso. Também lá viviam cidadãos,
mas sabiam de fonte segura que nada lhes pertencia, tudo lhes era exigido e
pouco ou nenhum regateio lhes era permitido. Mas sabiam-no claramente! Por cá, há igualmente um único poder social
que, ao ser reconhecido, me repugna. E é mentiroso. Repugna-me e é mentiroso
porque tal força bruta que me indigna ainda acha em mim um eco último de estima
e simpatia. Como é cretino este regime, este Estado. Todos lhe devem e ninguém lhe
paga, deve ser a ideia dominante. Ainda por
cima pensa que me está a dar um magnífico atributo de vivente, quando afinal o
que me oferece, de modo traiçoeiramente simpático é, concordo, não me matar, mas
conservar-me a trabalhar para assim aproveitar-se maldosamente do meu labor. No
final das contas todas que nos cobra e a que antes aludi, esta merda de Estado
é uma moeda falsa que só circula porque se apoia na verdadeira moeda. A nossa, a
dos cidadãos pagantes. O resto são tretas!
Mário Rui