Queixas contra médicos terão taxa
a pagar pelos doentes
A Ordem dos Médicos (OM) quer
passar a cobrar uma taxa aos utentes pelas queixas que apresentem contra os
clínicos, para controlar o aparecimento de processos em excesso, "muitas
vezes sem fundamento". A medida está prevista nos novos estatutos do
organismo, que aguardam desde fevereiro o início da discussão com o Governo e
aprovação na Assembleia da República. Na prática, diz o bastonário, José Manuel
Silva, que ontem foi reeleito, "é uma espécie de taxa moderadora na
apresentação da queixa ou por altura do pedido de recurso".
Imprensa de ontem
“Fogo amigo”
Cada vez me convenço mais que
vivemos numa sociedade toda ela voltada para a definitiva quebra das regras do
jogo. Os modos habituais de comportamento social caminham inexoravelmente para
um beco sem saída onde deixa de ser permitida a mais ínfima fracção da
indignação de cada um. Esta constatação é tão verdadeira para a política pura e
dura que nos enleia a vida quanto para um sem número de outras actividades
quotidianas que alguns teimam em dirigir à comunidade como se de uma simples
aglomeração de pessoas se tratasse. Esquecem-se estas cabeças pensadoras que,
afinal, comunidade significa lugar onde vive seara pública que mais não é senão
a verdadeira semente que dá corpo a um país onde estão indivíduos com
interesses solidários. Dificilmente dou bênção à “mania da perseguição” mas, de
facto, quando assisto a algumas vaguidões oratórias, que não poucas vezes
acabam por se transformar em coisa real, dou por mim a pensar se realmente não
se tratará de ataque vindo de alguns sectores da própria sociedade civil contra
os seus semelhantes. Mais. No actual estágio de entendimento de sociedade civil,
defendido por muita gente, julgo não exagerar se disser que esta caterva de
“pensadores”, ainda que arraigados aos melhores propósitos, apenas correspondem
à produção, convenientemente arquitectada, diga-se de passagem, de seres
humanos refugados. Parece dar jeito criar uma nova ordem onde se definam
algumas partes da população como deslocadas, inaptas, indesejáveis, de modo a
que a sua voz seja tida como tola. Assim, depois, acontece a aparição de novos
critérios que, não trazendo melhoria quanto à qualidade de vida dos cidadãos,
acabam por definir uma nova forma de normalidade geral que mais tarde ou mais
cedo se há-de traduzir numa lógica de poder corporativo. Muito bem defendida
aliás por alguns grupos profissionais, como é o caso. Daí que, esta situação,
para além de todas as outras já criadas pelos sucessivos (des)governos do país,
seja ela mesma mais um sentimento de condição de “sem-tecto social” que se nos
crava no espírito e, pior que isso, no corpo. Somadas todas estas parcelas da
conta fica-nos a noção de que refilar, fazer queixa justa, é mais um direito
que vai ser subtraído porque eventualmente se vai fazer pagar caro.
Curiosamente, ou não, não emana do governo tal ideia. Estarei errado se
concluir e afirmar que temos outra facção oposta às nossas necessidades que
milita cá dentro? Será que também estamos excluídos dos jogos ainda
disponíveis? O que sobra? Vivermos ao “deus-dará”? Já não há enquadramento
minimamente sólido para as nossas expectativas? Nem vindo dos nossos pares
societários? Muito bem! Então se a confiança deixa de ter solo firme para
enraizar-se, não pensem que vamos deixar de assumir a nossa repugnância por
actos que nos molestem. Ainda que os bombardeamentos provenham de “fogo amigo”!
Mário Rui