Não
tanto por ser um adepto convicto da modalidade, que não sou, mas talvez antes
porque ele foi o melhor no seu ofício, obrigo-me a confessar admiração pela
figura ímpar que foi Cassius Clay, nome que marcou a minha juventude e que
ainda hoje permanece em mim em lugar de Ali, a par de outras figuras míticas
que me deram testemunho vivo das transformações que agitaram este mundo. Era o
meu tempo jovem, altura em que esse sentimento do forte que tudo vence ainda me
fazia crer que os homens podiam construir glória à sombra de empreitadas
inúteis, neste caso, esmurrar o nariz ao outro. Mas enfim, verdes anos são
quase sempre altura em que sentimos as emoções com intensidade maior e
indiferença também saliente. De todo o modo, gostava de o ver a bater as palmas
das mãos nas coxas, martelar o chão em cadência, encostar-se com os cotovelos
às cordas, tudo isso olhando nos olhos do adversário com ares de guerreiro
furioso. Não terá sido porventura o bater das suas mãos o melhor exemplo de
vida para mim, quase sempre tão ineficaz quanto uma vaporização, e por essa
razão serão muitos os viciados em determinismo comportamental que agora não me
entendem. Mas não faz mal. É que tudo o que me veio do exterior para o
interior, especialmente aquilo que me fez crescer, foi sempre lição armada para
enfrentar a minha existência. Obrigado, Cassius Clay, repousa em paz. Mesmo que
tenhas sido um vaidoso, também é difícil ser-se modesto quando se é o melhor,
gostei de ti e, por outro lado, deste-me mais uma vez consciência da
fragilidade da vida, até quando se é um lutador!
Mário
Rui
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