O milagre panegírico e o costumado ecúleo que
desabrocharam hoje em mais uma ‘prestação’ (a)social a mim entregue!
Se é verdade que se regista um ligeiro crescimento
da economia portuguesa, não é menos verdade que este incremento não pode ser
apelidado, como por aí ouço, vindo de hostes partidariamente engajadas, de
«milagre da periferia». Chamar-lhe-ia
antes de «periferia do milagre», posto que o momento actual e a previsão que se
anuncia, não são flores que se cheirem.
Afinal, tudo a que tenho assistido é à degradação da vida real das pessoas, nomeadamente
das que trabalham e das que trabalharam. O resto, é fanfarronice política. Como
diria Lipovetsky, “A Era do Vazio”, está para ficar! Sim, é que à força de
tanto insistirem no facto natural de semelhante milagre, para mim oposto à
condição actual do país, talvez alguns se sintam impensadamente induzidos na
ajuda ao fogueteiro da costumada ciência pirotécnica dos últimos governos, para
não recuar ainda mais, de Portugal. Despojem-se os incautos de qualquer
optimismo ingénuo e centremos a atenção na análise das incoerências e
dificuldades desta democracia real. Basta abrir o recibo de vencimento, da
reforma, da pensão, ou ler o periódico, para percebermos do modo como «algo vai
mal no reino de Portugal» ( na Dinamarca tudo vai muito melhor). A saber: a
sobrevivência das oligarquias e do respectivo poder invisivel, continua
firmemente assegurada. A revanche dos interesses do povo, entenda-se
recuperação do perdido, continua por acautelar. As promessas não cumpridas
estão também por explicar. Todas são situações a partir das quais não se pode
falar de presente, e muito menos em futuro risonho. Não entendo a que factos
paranormais se referem alguns. Para mim, milagre, acontecerá no dia em que eu,
semelhantes meus, o povo enfim, nos voltemos a sentir cidadãos de pleno direito
e assim deixemos de lado o súbdito em que nos transformaram. Milagre, virá no
dia em que me restituírem o justo ordenado que entretanto me roubaram, a
reforma que levaram aos nossos pais e avós, quando de novo um governo digno por
cá resolver poisar o reino da virtude perdida. Posso admitir que estejamos
todos, os bons, a lutar por estas causas com “sangue, súor e lágrimas”, mas
dificilmente acredito na vitória se acompanhados nesta batalha, como estamos,
por homens que não merecem respeito maior que um espantalho ou um monte de
lama. Associarmo-nos a tal estirpe virulenta é uma desonra, e esta desonra
traduzida em ofensa grave é, nem mais nem menos, reconhecer que os governos de
Portugal, e especialmente os seus variegados suplementos, depois do 25 de Abril
e salvo um, ou dois casos, não mais, foram uma espécie de exército invasor que
tornou um país escravo dos desejos esfaimados de tal força beligerante.
Velhacos, eu que nunca me recusei a pagar um imposto, pois sempre desejei ser
tanto um bom português quanto um mau súbdito, vejo-me agora na real
contingência de exigir a restituição dos abonos que me saquearam em defesa da
minha exemplar cidadania. Fazem-me falta! Nunca julguei aqui aportar porque
nunca ajudei ao naufrágio. Quem devia estar a padecer com a grande deterioração
social que a todos inquieta era o leque alargado de gente, que de desastre em
desastre, tornou incontrolável a gestão do país. Não nós, que jamais nos
metemos em gueto fortificado que prejudicasse terceiros.
Mário Rui