Dizem
que hoje é o iluminado dia da reflexão. Coisa mais estúpida esta, a de chamar a
um qualquer dia que antecede acto eleitoral de meditação. Acabadas que estão
mais umas tantas alegres campanhas – diria Eça, «…nasce enfim o dia, o domingo
desejado» – desembarcaram finalmente os concorrentes a mais uma corrida da nau
oratória que por aí se fez ouvir, que não perceber, sobre o tudo e sobre o
nada. Insistiram os que correm por um lugar em efervescências de situações mais
pessoais que nacionais, e o povo a perder, voltando assim à não discussão dos
inconvenientes do desmoralizado panorama público-político actual e
especialmente esquecendo as causas das diferenças sociais que ditam a penosa
história do país, contraste tão deslumbrante quanto desditoso entre o que
poderia ser e o que realmente é. Meditação? Assente em quê? Reflexão sobre os
verdadeiros problemas, a maioria dos quais bem conhecidos, que não foram
tratados? Ponderação assim pedida não produz outro efeito senão tornar-nos
menos sensíveis à sua realidade, embora não esquecidos da mesma. Ainda que
fossemos suficientemente estóicos para suportarmos o vazio das ideias ditas,
teríamos por certo de engolir mais uma vez repressões mentais impostas pelos
mesmos de sempre, cada vez mais medíocres, ignorantes e feios. O “feio”, também
conta. Ufana-se hoje a hierarquia elegível com o apelo ao voto mas nunca fala
do real significado da abstenção. Cuidado, dizem eles, pois tais retratações
populares abstencionistas são traições. Mas não são, afirmo eu! São, isso sim,
respostas reflectidas, prudentes, como que assomos de indignação para com um
certo tipo de instalados que olvidam o outro e sobrelevam o eu, que acautelam a
remuneração do eleito descurando a do eleitor, que lutam pela permanência das
oligarquias e das elites no poder sempre em absoluto contraste com os ideais
democráticos da maioria. Cidadão responsável e engajado com a comunidade em que
vive sabe bem da razão dolorosa porque não vota. Democracia corpulenta e séria
não tem medo da abstenção. Só os estabelecidos a temem e, pelos vistos,
infelizmente, assim continuará a ser pelo menos enquanto as benfeitorias de uns
não permitirem que sejam reconhecidos e respeitados os direitos invioláveis dos
outros!
Mário
Rui
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