É
certo, a forma eterna não existe, mas também só vejo personagens hostis às
letras pátrias
Eu
até acredito que as palavras, tal e qual as coisas vivas, estão sujeitas a
degradações orgânicas e portanto precisam de renovação em tempo certo. Contra
isso, nada. De resto, sendo a língua portuguesa, como qualquer outra, o
instrumento de expressão entre as pessoas de um dado sítio, convém dar-lhe
rejuvenescimento que evite a sua própria velhice e consequentemente perda de
valor circulante. Aceito e aplaudo pois que se substituam algumas das
palavras/expressões do nosso vocabulário mas só e desde que não se mutile a sua
própria anatomia e muito menos com sacrifício da alma e do entendimento geral.
A introdução desse denominado acordo ortográfico que alguns pensadores do pouco
resolveram dar à estampa, ainda recentemente, conjunto afinal infernal de
intrincados termos que me levam a sentir-me órfão do português literário que
aprendi ao longo da vida, em mais não deram senão em nova ortografia que não é
língua em que se escrevam os futuros livros da escola. Quando um facto, coisa
realizada, acontecimento, já só é um “fato”, então o que será um terno para o
esforçado alfaiate que o cose? Ou coze? Já nem sei! E o que dizer do pêlo do
nariz que agora já é “pelo” mesmo acima? Ah, e bem pode o leitor sentar-se para
assistir a uma qualquer encenação pois deixou de ser o espectador e agora é
mais um “espetador”. Daqueles que espeta? Talvez! É lamentável que não se
respeite a raiz da nossa amada língua e, ao invés, se coloque a mesma à tracção
do incompreensível mercantilismo das palavras. Há certas coisas na vida que
jamais deveriam estar sujeitas a negócios pois que a recorrência às línguas
paralelas deixam em nós um cheiro a trama, enredo mal explicado. Um novo mundo
de gestão da língua, dizem os defensores do AO. A estes, a primeira coisa que
lhes falta é talento, e depois do talento falta-lhes quase tudo o mais. Se as
palavras, as nossas, tivessem sido feitas para produzirem efeitos orquestrais,
já o país seria uma grande filarmónica e quem sabe se não estaríamos melhor
servidos só com música. Mas não, as palavras servem para exprimir ideias e
talvez seja esse o problema dos pensadores do AO; só estão à vontade com
composições muito complicadas. Julgo ser finalmente um modo de tornar a língua
portuguesa como artifício distraidor das faculdades que lhes faltam, sobretudo
as de não conseguirem perceber as incompatibilidades do problema. Começo a
estar farto destes escultores de si próprios.
Mário
Rui
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