Não
sei se o tempo existe mas que há muitos relógios a dar horas, há! Até parece
que foi o relojoeiro quem fez o mundo. E foi tanta a imensidão da hora feita, e
tantas são as suas celebrações, que o mundo ficou mudo de sonhos e alguém lhe
disse que afinal esse era um detalhe que não tinha a menor importância. E assim
foi avançando a hora de não sonhar, em triste bebedeira cada vez mais
solitária, até ao fim do dia. Umas seguidas de outras, as horas foram dormir.
Veio a alvorada e a hora encontrou o mundo ofendido sentado na rua, exausto de
esperança de tanto se queixar do sonho fugido. E o anunciado detalhe sem
importância visto e sentido sem sonho possível, às primeiras horas do dia
desvaneceu-se em pouca vontade de continuar sofrendo e em muita de vingar-se.
Foi já pela manhã que o mundo acordou de vez de um sono que lhe haviam dito ser
cura para o sonho amputado, detalhe sem valor, então tomou um bom banho, um café
quente e, ao meio-dia, arrependido de ter dormido com um sonho mal contado, se
ergueu arrependido e se perguntou; «que fim deram aos meus sonhos de
juventude?». «Porque me agitaram, me fizeram sofrer, me deprimiram em horas que
me levaram aonde eu não queria ir?» Foi essa a hora que fez tocar as campainhas
do mundo e o mundo disse; «como tenho muita vontade de que reparem em mim, a
partir de agora mudo a hora quando muito bem me apetecer! Tenho de dar duro
para parecer menos idiota do que sou». E assim, de quando em vez, há um mundo
que muda a hora não vá a hora mudar o mundo. E assim, esse mundo já não precisa
de passar as horas todas aprendendo e compreendendo o que não deve, antes usa o
tempo para imitar os sonhadores, as respostas, os modos de agir e sobretudo
para evitar as preocupações que sobram dos grandes erros dos maus conselhos de
certos tempos.
Mário
Rui
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