Já
não vou a tempo de dizer tudo aquilo que queria. Ainda assim, vou muito a tempo
de dizer aquilo que não queria, mas tenho de dizer. Falo-vos do nó górdio que
já nada pode desatar essa que é a infindável reciclagem de imagens televisivas
sobre um jogo de futebol que lá para a noite vai acontecer. O adepto agrediu o
adversário, a polícia deteve o sujeito, a autoridade vigia os apoiantes, o
autocarro partiu rumo ao estádio, o jogador sorriu à multidão, o treinador está
confiante, o chefe da claque pede força à equipa, o jogador está lesionado, o
árbitro apita sob pressão, o presidente confia, o roupeiro lavou a roupa, a
relva está boa, as luzes acenderam-se, as balizas ainda têm redes, a bola ainda
é coisa esférica e o jogo é mais logo. Horas a fio nisto e quando nada mais
houver para reconhecer e enfastiar tolos, quando tanta imagem e verborreia
deixarem de ser uma questão de conveniência televisiva, então será altura,
felizmente, para acabar com este círculo vicioso. É o momento em que o século
retoma a normalidade, mas só por noventa minutos. Findos estes, o centro das
atenções retoma o seu lugar especulativo e lá teremos novamente a espiral
descontrolada das televisões. Já terá acabado a crucial incerteza que premeia a
nossa condição individual de adepto, do jogo jogado, único que importa, que não
de lateralidades balofas pois essas vão alimentar-se outra vez de vacuidades e
ainda se reforçam mutuamente. É por isso que hoje também é dia das mentiras
pois temos televisões que se acham verdadeiras sociólogas. Jean Paul Sartre
tinha razão quando meditava sobre a natureza «do lodo». E viva o jogo jogado,
só esse, durante o tempo decidido, pois ele corre veloz na relva e na bancada,
sítios únicos onde a digestão rápida promete mais prazer e menos frustração do que
uma televisão oca mas de apetite voraz por tolinhos que a vejam.
Mário
Rui
___________________________ __________________________
___________________________ __________________________