É
só isto que vos quero mostrar, escondendo por agora muito mais a propósito do
ódio, irmão sobrevivente, que permaneces sempre sombrio no espírito de um
assassino de seu nome Putin. O que seria destas pobres criaturas a quem a
Rússia tudo roubou, se não fosse o ódio? O que vai ser desta gente, se castrada
de todas as ambições e de todos os sonhos, coçando a ilusão da esperança que,
neste preciso momento, é o único quinhão dos inocentes mas que tarda em chegar,
se é que chegará. O ódio, misantropo e triste, prefere os sem culpa alguma, se
bem que não desdenha dos “ricos” dinossauros do país invasor e outros
dinossauros de países não invasores. Estes maestros cujo apoio ao morticínio
lhes serve para reger a orquestra da pena capital, falam-me do motivo da
guerra, dos interesses estratégicos, da geopolítica, sabem tudo sobre a Rússia
e a Ucrânia, mas infelizmente nada sabem de alguns milhares de criaturas que
dormem ao relento e vivem ao acaso. Pensem agora, maestros da guerra,
nomeadamente os de cá, porque também os há e em razoável número, no que
representa para os atacados uma noite de Inverno. Escorraçados dos bancos
públicos, escorraçados das ruas, eles e elas não encontram refúgio senão nalgum
portal escuro, nalgum telheiro abandonado, nalguma furna da serra conquistada sob
a invernia. Deixem-se de se armar em actores ignorantes de uma angustiosíssima
tragédia. Lembrem-se antes, profetas da desgraça, destas pobres criaturas, de
roupa rota e ensopada, dos seus pés nus chapinhando na água, toda a noite e
todo o dia tiritando, curtindo infelicidades e enxugando com o seu já pouco
calor a alma. Para elas a vida é coisa bem amarga. Os míseros não têm cama, não têm que vestir,
não têm refeição na mesa, sobram-lhe balas, punhais, mísseis, morte lenta e
tudo parece combinado para perseguir o indefeso. Mas é preciso, é urgente, é
indispensável buscar calor. Onde? A vós, como sois bons maestros da orquestra
da morte, e como a vossa repelente música fúnebre, igual à de Putin, é grande
mestra na arte de ajudar os infelizes varejados pelas balas, ireis certamente dizer-lhes
que o fogo não tem riscos e o ódio não perturba. Até sereis capazes de lhes
lembrar que as árvores, eternas paralíticas, não sofrem angustiadamente. Para
vós, nesta guerra, uma criaturinha inocente que valsa e morre é o vosso enlevo.
Quantas vezes têm vocês tomado um copo de triunfo entre as mãos, e, todavia,
uma houve em que subtilmente ele vos caiu, se vos escapou e foi quebrar-se no
chão? Quantas vezes, quando estais de acordo com a guerra, o vosso travesseiro
vos afaga a cabeça e vos aconselha a mudar de vida? Se calhar, nunca!
Mário Rui
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