É
curioso. Faz já muito tempo que não ando de comboio. Outrora, saudava o chefe
da estação, comprava a passagem, embarcava
no cavalo de ferro, dava em mão
ao revisor o bilhete a picar, sentava-me e finalmente sentia-me a bordo do mesmo trem
que muitos outros utilizavam para as suas travessias. Ah, não raras alturas
cruzava-me com o maquinista que de janela aberta lá acenava cordialmente. Éramos
um todo. Hoje, de quando em vez, vou ao cais. Não tanto para seguir caminho mas
antes para expressar boa viagem e então assisto a um mundo admirável de coisas
em acelerada globalização - é assim que se diz, não é? - onde me confronto com factores
que dizem ser cruciais na nova era que vivemos. Já não consigo saber do chefe.
Bilheteira, que era aquele lugar onde trocava dinheiro por vantagem de ir,
também já não há. O revisor, que à parte a sua função igualmente me ia dando outras
pistas quanto ao curso do percurso, julgo ter sido desclassificado pois que não
lhe consigo pôr olho em cima. Só lá dentro da carruagem parece ainda haver tão
imenso número de outros o que é sempre bom pois entranha-se-me a ideia de que
resiste uma fracção da espécie humana
que não está barrada às nossas experiências diárias. Se bem entendo, das minhas
visitas à gare, o que não sei é quem – se alguém – está sentado na cabina de
pilotagem. Acredito que até esteja vazia porque agora tudo são trajectórias
individuais e o comboio regula-se a si próprio libertando-se assim da mão
manipuladora do encarregado do volante. Ouço depois as mensagens animadoras que
são emitidas nos altifalantes e mesmo assim fico triste. A notícia comunicada
afinal foi gravada num tempo desconhecido, em lugar que nunca irei ver, por
pessoa que nunca encontrarei. Dificilmente poderei confiar na sabedoria
despersonalizada de coisas só automáticas. Que mais posso eu fazer? Se não sou
sociologicamente versado, não sei nem posso vislumbrar a partir daquilo que não
experimento e muito menos sinto. Estes sãos os momentos em que se abeira de mim
a necessidade de uma imagem da sociedade como bem comum, bem que foge como o
comboio que se afasta, afinal história que contei como algo completamente igual
ao modo como outrora foi vivida.
Mário
Rui
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