Nos
montes de pedras miúdas e de argamassas antigas ou nas lamas constantes dos
caminhos trilhados, há sempre uma contemplação misteriosa em que se adivinha
uma ferrugem dolorida e apagada que sugere inquirir pormenores. E com isto
vem-me à memória os que tiveram o seu vintém e um bocadinho de terra onde se
faziam os belos nabos e as lombardas folhudas. Como figuras sentimentais na
fachada, resistem as pedras, julgam-se rainhas. E são, nem o vento nem a chuva
as despregam dos seus sítios, pedestais que sobreviveram às encruzilhadas da
vida. O resto não escapou ao furor dos tempos. As janelas de tabuinhas da casa
simples, foram-se. Desassombradamente o chão ficou a olhar para o céu, o
telhado maquinou aventuras e acabou por desabar. Seria de noite e uma chuva
forte a peneirar-se lá do alto deixou que as estrelinhas entrassem. Não foram
camaradas por essa vez, pois com os anos, com estrondo, em migalhas, no meio
dos infortúnios, tresloucados, ruíram os adobes e os frios penetraram as
carnes. Por dentro, fecharam-se as portas que daí a nada, humilhadas e cheias
de vergonha, tombaram também para cima do raso de terra, soluçando sem remédio
a desconsolação daquela vida, ou noites, cheias de agruras. O vento veio para
ficar, que falta não fazia, e até a lamparina de azeite se apagou no
alongamento de tanta escuridão velha cuidadosamente suportada pela fome de quem
só queria um pouquinho mais de sol na eira. O nabal, já tinha chuva que
chegasse. Ficou apenas a dobradiça, a tal ferrugem dolorida e apagada que
sugere inquirir pormenores, mas mortinha de todo. É caruncho, dirão alguns. Mas
não é, digo eu. Hoje, mesmo com aspecto roído e esmagado, é uma pequenina
sentinela que guarda sentida memória de sofridas modéstias. Gosto de olhar para
a ferrugem, fala-me de gente que no meio da lida aturada de tempos idos, sempre
soube apaziguar a jornada.
Mário Rui
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