Tenho
acompanhado o evoluir das inundações que ocorreram durante o dia de hoje na
capital portuguesa e, para além de
lamentar o sucedido, como é óbvio, há uma nota comum no dizer de todos os
envolvidos na prestação de ajuda que me parece digna de registo. Trata-se do
advérbio de afirmação “efectivamente” que, usado e desgastado de tanto ser dito, mais se
assemelha a frontaria de crepes do que a bom e escorreito modo de construir frases
em língua portuguesa. O bombeiro diz que
«efectivamente choveu muito», o comandante acrescenta que «efectivamente foi
uma situação problemática», o técnico de saúde soma-lhe «efectivamente o pânico
tomou conta de algumas pessoas», o repórter amigo e atento regista «…o que
efectivamente aconteceu hoje em Lisboa …», o responsável pela protecção civil
refere que «efectivamente o pior já passou» e até o dono da vitrina inundada
diz «… a loja ficou efectivamente debaixo de água». É muito “efectivamente” para
que de facto possamos libertar as frases desta represália ferina que acontece
sempre e quando se recorre abusivamente a esta luminosa arquitectura linguística
para mostrar aos demais o quanto falamos bem mal a língua de Camões. Mas isto
sou eu a pensar alto e a dar conta das dificuldades hermenêuticas patentes nas
lutas de inteligência de muito boa gente. Enfim, realmente parece-me que não
vale a pena estarmos votados ao martírio de certas lides cerebrais porquanto
falar bem português também pode ser, e é certamente, destilar outras palavras
maravilhosas, também lusitanas de gema, evitando sempre repercutir a já tão
coçada mania do pretenso brasão oral. Sobretudo por uma razão soberana: é que
familiaridade abusiva com alguns termos do nosso idioma, conduz necessariamente
ao desleixo da língua pátria. “Efectivamente” há que deixar em casa oralidade
repetitiva e julgada aprimorada, ainda que não incorrecta, uma vez que assim desperdiçada sempre seria
melhor aproveitada para fazer xarope para o Inverno que aí vem – o das não
esperadas mas quase certas futuras cheias. Ah, só mais uma coisinha: não sei se
houve mais “efectivamente” porque “decididamente” quem devia preocupar-se “atempadamente”
com o escoamento do saneamento feito “pluvialmente”, está indisponível “intemporalmente”. Verdadeira e “lamentavelmente”!!!
Mário
Rui
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