Claro,
claro que podemos mostrar muita alegria ou muita indignação por tudo o que o
frívolo futebol possa encerrar, por tudo o que a má política possa produzir,
por tudo o que a nossa pobre inteligência possa espargir. O problema é que
afinal parece que regressámos aos tempos bíblicos, em que a inteligência e a
sabedoria desciam, em línguas de fogo, sobre a cabeça resplandecente dos
“escolhidos” dos deuses. Hoje, estamos como então. Nessas matérias, proliferam
os sábios e até aspiram, não sendo isso proibido - mas deveria ser - ao louco
sonho de quererem poisar nos astros. Os mais audazes até de uma pedra fazem uma
estrela. Mas porra, não haverá por aí um destes sábios, só um, justo e honesto,
baseado em insofismável e imperiosa necessidade social que nos ajude a lembrar
o maldito xadrez em que vivem estes humanos? Não dá para opinar, gritar,
escrever uma revolta contra a estupidez, os desmandos, as vilanias dos
selvagens que matam com olímpico desdém? A nossa pobre inteligência não chega
lá? Só vê péssimos futebóis e porcas políticas? Não dá para produzir assim um
raciociniozinho, por pouco brilhante que seja, numa lógica e poder de convicção
um tudo-nada superiores a isto? É que o que nos divide destas vítimas
inocentes, é só uma razão de ordem intelectual e moral. E se a palavra foi dada
aos racionais para lhes destapar o pensamento, pense-se então, não encubramos a
desmedida avidez dos loucos. A Síria, como o futebol de que se fala a esmo, só
tem cabeçudos jogadores que mais não veem do que as pedras do tabuleiro e as
mil e uma combinações e imaginosos cálculos do jogo. Lançamo-nos, uns contra os
outros, em ásperas, violentas, estéreis lutas de bola e politiquice como se do
fim do mundo se tratasse. E a essas abrimos lealmente os braços, sem curar da
sua procedência ou interesse. Sobre o genocídio na Síria, nem o seu certificado
de registo criminal se nos aflorou, quanto mais falar dele, lembrá-lo sequer.
Pobres vítimas! É provável, pois, que, a estas horas, já esteja em via de
solução um "gravíssimo" problema de futebol. Quanto à Síria, ainda
estamos a pensar se escrevemos, pensamos ou enfileiramos no silêncio. Eu acho
que está a ganhar este último no assalto às posições dos selvagens que, assim,
continuarão a matar descansados. Eles e a nossa cobarde quietude que não deixa
que os denunciemos!
Mário
Rui
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