Mudámos
a semana. Já não temos sete dias e tudo se resume a um. Chama-se emergência e
assim estamos persuadidos de que o mundo termina na curva onde o corredor desce
até à sala. De quando em vez ouvimos o silvo do comboio fazendo-nos pensar nas
estações onde pára, naquelas que são sempre primaveras, na cidade e em outras
maravilhas. Hoje, ter uma primavera quer dizer que, apesar de tudo, não estamos
sós. É sabermos que nos amigos ausentes, nas companhias proibidas, na rua
deserta, há qualquer coisa do nosso íntimo, que mesmo que não estejamos presentes,
espera por nós. Mas agrada-nos saber que o mundo ainda é redondo e, por ora
hospedados na pensão da quietude traiçoeira, para o lado donde o Sol se
levanta, valha-nos isso, esperamos pelos mesmos ruídos, os mesmos convívios, as
mesmas caras de outros tempos. Quando não há Lua, imaginamos um mar de
estrelas. Quando não há dias, lançamos sementes de muitas ideias e boas
intenções. Quando não há que bulir, lemos e entendemos livrinhos mui
comezinhos. Remissa e vagarosa vai a semana que agora se chama emergência. E
sem que se rale com a escravidão, a dor, o embrutecimento a que nos sujeita,
que grandes despesas contrárias às fraternas aspirações. Deste alvitre de vida
em tão grande escala diz a emergência ser caução. Deve ser fiança depositada
para garantia de futuro que cheire a dias antigos. Nós a lemos, a relemos,
temo-la ainda aberta, e aberta a deixaremos sobre a mesa da nossa paciência.
Porquê? Porque a crença é tão forte, a fé é tão viva que jamais deixaremos de
ser sentinelas do porvir. Do boníssimo que virá pois ainda temos muitos fartos
arraiais desse futuro e porque é lei da natureza humana a liberdade. Uma ideia
assim nunca mente!
Mário Rui
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