Graça
Freitas e futebol: Celebrem vitórias "longe dos outros"
A
diretora-geral de Saúde pediu que as pessoas mantenham o distanciamento e que
mesmo quando celebrarem o tentem fazer "com distância, sendo exuberante,
mas longe dos outros".
Isto
não vai ser nada fácil. Formam-se grupos fora dos campos. Junta-se povo de
todos os sexos e mais uns. Fazem-se distinções pela cor dos cachecóis. Uns
conversam em ruidoso e alegre convívio, outros entretêm a derrota com uns
decilitros que abafem a mágoa. Pouco a pouco, a rua, a avenida, cobre-se de
ousados de ambas as cores. Começa a refrega, largando suor por todos os
respiradouros. Repentinamente aparece a polícia, mas nada de sustos. É só
presença para observar a dança do ventre. Mesmo assim, balbúrdia geral, todos
querem ficar na fotografia o melhor possível. E é aí que entra então o Correio
da Manhã TV. O repórter, com medo que lhe escapa aquele lance de mão chapada na
cara do rival, coloca-se de cócoras. Não por medo, mas antes por ser coisa que
dará horas e horas de emissão educativa, elucidativa e, já agora, opinativa, pois
convém que acabe tudo em “ativa”. Ademais, descansar as pernas e a máquina das
películas, também é preciso. No estúdio, o pivô, pelo mesmo motivo, procura
posição de gatinhas. Mas acaba a contenda, os desordeiros escapam-se
ziguezagueando por entre calçadas e vielas. E diz o repórter, corrobora o pivô:
- Que pena!... Uma terra tão bonita, mas que mania construírem os prédios no
meio das ruas… Novamente confusão na CMTV; segue-se um filme pornográfico,
vulgaríssimo e já muito abandalhado. Mas é o que há. Três ou quatro alegres
convivas vão bulir muito, no estúdio, com o sucedido fora do campo. Imaginem se
fosse dentro do quarto. Bom, mas isto é o que provavelmente vai acontecer no
fim do jogo e na avenida. Quanto ao que se passará dentro do estádio, acabou a
festa. Fecham-se as janelas e os portões, impera o silêncio, a mudez, a
pasmaceira, o desconhecido. Este último é justamente o resultado do prélio. Nas
bancadas começa a humidade e os musgos a manchar aquelas pedras, desculpem,
cadeiras. Teias de aranha por toda a parte. Só falta a hera, pela parede a
subir. Mas não faz mal, porque vamos agora ao resultado do jogo. Para evitar a
proximidade, não sendo exuberante e a milhas uns dos outros, como pede a DGS, o
melhor desfecho para o efeito seria sempre um empate sem golos. Embora no
futebol tudo se jogue, o nulo é que era uma maravilha. Dividiam-se, ou melhor,
multiplicavam-se sorrisos, trocavam-se olhares e cruzavam-se as pernas, em
atitude fantástica dos jogadores e em particular dos adeptos. Até os guardas-noturnos
se deitariam mais cedo e a CMTV, pela nossa saúde mental, dia sim, dia não,
passaria apenas aquele admirável filme “Uma só hora consigo”. Se pela
frequência da projecção a fita se estragasse, tinha sempre à mão uma
alternativa; os 70 minutos de ecrã cinzento da” Branca de Neve”, do João César
Monteiro. Estou apenas a dar uma ideia e a crónica já vai longa, algo de que
não sou adepto. Boa noite.
Mário
Rui
___________________________ _____________________________