Gostaria
de não ser tido, pelos outros, como alguém que só vislumbra fantasmas na
própria sombra, alguém que só vê coisas erradas a partir da minha própria
consciência. Gostaria pois que assim fosse já que, podem estar certos os meus
amigos, ler equações ao contrário nunca foi o meu forte, daí que nunca me tenha
dado para reduzir o realismo a meras imagens fictícias mas, ao invés, continuar
a crer que tudo o que me resta é o mundo tal como o experimento. Vem isto a
propósito do que aconteceu há dias na estrada que liga a vila da Torreira a S. Jacinto-Aveiro,
troço que assistiu a mais uma tragédia quando um automóvel e ocupantes foram
engolidos pela Ria de Aveiro. Bem sei
que o acidente está sempre à espera duma oportunidade, ainda que algo seja feito
na esperança de o evitar, mas também sei que muitos conhecedores dos riscos que
qualquer estrada comporta, e nomeadamente o troço antes referido, olharão mais
intensamente para as coisas que fazem o ego gordo e grande do que propriamente para
os amparos que deveríamos ter para guiarmos a nossa jornada. E é esse ego
egoísta que não deixa aguçar a atenção aos pormenores cruciais. Assim vista a
coisa, de bom grado trocaria rotundas incansáveis, mecos fosforescentes sem fim,
centenas de postes de iluminação que nunca deram luz, pistas cicláveis
delirantes e excessivas, pegadas elefantinas de outros devaneios, tudo isso eu
trocaria por mais uns quilómetros de resguardos que preservassem a nossa existência,
acautelando assim, ou evitando mesmo, os golpes da vida. E se poupassem uma só
vida que fosse, já ficaria contente por não se tratar de vã pretensão e feliz
estaria com a consciência dos que procedem bem, desprezando assim toda a “assistência”
dos objectos supérfluos em lugar dos que fazem verdadeiramente falta. Essa é
que deveria ser a voz do orgulho e em estrada de vida que há tantas décadas
reclama mais protecção - amigos tive, já no século passado, que por lá ficaram
suspensos ante o precipício - suprimentos destes reduziriam de certeza o
virtual à insignificância que o caracteriza. Mas enfim, enquanto o ‘progresso’
se confundir com a feira das vaidades, vai ser difícil perseguir atinadas transformações.
Mário
Rui
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