Repito-me, mas afinal acho que vale a pena a
insistência. E não estou só, felizmente. (LER
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Já houve tempo em que atravessar a Ria de Aveiro
também era coisa para se fazer com braçadas longas vindas de corpos afoitos que
se lançavam à água. Braçadas fortes, não tanto para ganharem taça que não
tentava sequer passar por champanhe, mas antes porfia prazenteira. Nadar, nadar
sempre, como se se tratasse de iludir um invisível perseguidor. Era o tempo em
que a água ia farta, a perder de pé, e a travessia era distância onde se
distinguia o cintilar longínquo das ondulações. Hoje, resta-me a resignação de
fel do quotidiano que vejo. E faço por esquecer, ignorar, soltar as amarras que
me prendem a esta talvez doentia obsessão de não compreender onde estão os que
deviam dar uma mão à Ria, um olhar que fosse. Devia talvez, acima de tudo,
impedir-me de pensar. Mas não posso. Quando assisto a tanta manifestação
ciclável, tanta vontade de pôr um país em cima de um selim, não que esteja
contra mas só porque já me começa a cheirar a manifestação reservada a um
enorme bolo sem velas, e assim esquecendo a nossa Ria de charmes e sorrisos, só
me posso indignar. Já tem pouca água, sobeja agora menos distância, mais
silêncio, mais vazio e ainda mais lodo em sítio que devia ser cama de água.
Sinto que tudo falhou, sinto que a Ria de Aveiro nunca mais vai ser o que tinha
querido ser, sinto o seu destino transformado num descalabro sem regresso. E
sinto ainda mais; o seu charme e sorrisos de antanho, circulando entre os seus
milhares – talvez milhões – de convidados, são hoje porta sem saída pois a de
entrada há muito que está fechada. A regeneração resume-se, até agora, a uma
chuva de conselhos ditos mas nunca feitos e é por isso mesmo que repito, repiso
e quero prestar quotidiano testemunho do fracasso disfarçado! Mas como o futuro
tem inesperadas formas de se vingar, talvez um dia nademos, pesquemos e comamos
montados em bicicleta que há-de rolar em mais uma via em sítio que outrora foi
Ria. Talvez depois nos interroguemos; não há ninguém em quem pendurar a culpa?
E não sou contra a bicicleta, embora isso desse jeito a alguns. Sou é contra a
voluptuosa catalepsia mental que faz soçobrar a Nossa Ria!
Mário Rui
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