Crónica
de um vazio anunciado ou de como nunca imaginámos o que se vê, ou não se vê.
Mas
vê-se pouco. E aquilo que a vista alcança por não termos portas adentro coisa
que nos distraía de pensares chatos, é também algo não tão lindo quanto aquilo
que se quer. O mundo mudou, ainda que não seja nada mister mudá-lo assim. A rua
está vazia, já nem os humanos lhe podem participar os passos das suas ousadias.
Digo as coisas à moda velha; qual é o jeito destes ‘becos’ sem graça, se não
deva antes perguntar quais sejam os maus modos do novo inimigo que nos tranca
em casa, nos tira do passeio, sem escrúpulo nem decência. À moda amável da
nossa meiga terra, merecíamos este castigo de solidão, este chão que não se
pisa? Mundo, mundo, bicho, bicho, julgas que assim adornas o serviço social do
dia ou da noite? Não, assim não fazes vindima que cative lagar. Tem maus
bocados a vida, a nossa, sobretudo quando o bicho decepa o melhor de uma
ambição íntima e secreta. Daí os que já partiram nos minutos de vidas
desesperadas. Honramo-los pela luta, estamos tristes por esse derradeiro
poente. Mas, bicho, o primeiro passo de convalescença dos que ainda estão no
leito, como também dos que se aferrolham em casa para te não olharem para essa
cara de diabo, pode chamar-se resiliência ou tédio. É como queiras. Mas fica
certo do que te digo; gradualmente passará a chamar-se indiferença e as ruas
hoje tão secas de infinito ficarão de novo ruças de tantas solas vistas. A
compleição do bruto, do ladrão do tempo, a tua, bicho, há-de ficar-se pela
triste lembrança, apenas. E, nesse dia, quem vai aproar a grimpa, somos nós.
Será maneira de nunca mais falarmos de vazios anunciados, nem de mundo
boquiaberto pelo que se vê, ou não se vê. Nem que fiquemos no mesmo balancé por
mais algum tempo, havemos de atravessar a avenida!
Mário Rui
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