Temos
pena. O mundo já não vai ser o que era. E com o cotovelo apoiado sobre o
joelho, e a cabeça à palma da mão, fico-me por algum tempo esquecido com os
olhos fixos na imagem que vejo. A menos que venha um novo elixir que nos livre
de perder o centro de gravidade neste plano instável em que estamos, acho que
bem podemos adiar as nossas radicadas convicções de mergulhar noutras águas que
tão bem nos sabem. E o juramento de fidelidade a essas, este ano, vai mesmo por
água abaixo. A alegria das ondas queridas, o sol que beija a areia, a grandeza
da sua estatura que dá bronze a corpos precisados de divisa social, os passeios
alheados à beira-mar, a maresia que tonifica, a brisa que girando no tronco nu
nos insufla entusiasmo, este ano, será por certo ambição sonhada mas
lamentavelmente com destino a um qualquer exílio. Não vai haver pincel nem cor
que a possa fixar na tela. E o quadro assim acabado não vai ter direito a
especiais homenagens. Que raio de gravura que só nos impõe a consciência de ter
sido feita por quem nos quer mal. Por mim, afasto para bem longe a curiosidade
em saber a cor desse medo. Mas mesmo postos na ratoeira desta liberdade, há uma
portugalidade muito nossa que é feita de amenas cavaqueiras, de gestos afáveis,
de sorrisos amplos, mas também de ameaças, pois claro, contra quem nos quer
tirar o mar ou a delícia do nosso sol.
Mário Rui
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