Não
fosse o coiso que nos traiu bestamente e hoje já estaríamos em tempo de folia,
sem perturbação de movimentos e sem que ninguém desconfiasse da nossa real
aliança com os interesses carnavalescos. Porém, na opinião dos prudentes, essa
agressão do coiso é da natureza daquelas que se assanham só com o cheiro dos
agredidos, quando não até com a sua legítima defesa. Trancou-nos em casa, o
coiso, e é assim que agora temos de suportar o sacerdócio proposto à custódia
da tradição e, pior, quer ainda o coiso que percamos o espírito de missão dessa
memória. Aqui chegados, a prova temo-la aí diante dos olhos: por ora só a
clausura em casa é praticável e não há escolha senão entre a sala ou o quarto,
a varanda ou a janela. No entanto, necessariamente de olho na subversão, de
quando em vez, conciliando, quanto possível, o hábito do Entrudo com a prática
da festa cautelosa, transigimos e montamos um pouco de realidade que a fecunde.
Já não importa o sítio onde fazê-la. E, mesmo que não seja à luz do dia, urge é
declarar o objectivo que consiste em sustentar o Carnaval por todos os meios.
Dentro de quatro paredes não será a mesma coisa, é certo, mas o que nos faz
vibrar, face a tanta vida conventual, é o desembaraço que revelamos em amostras
incríveis de afinidades que temos com o reinadio. Ainda que se firme a desordem
na sala, acudir-lhe a tempo e horas é melhor do que deixá-lo lavrar
crescentemente no esquecimento.
Mário Rui
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