Guardados
religiosamente cá em casa ainda estão os meus fabulosos - porque sempre foram
amores supremos – aparelhos de alta fidelidade. Fidelidade no som e na
companhia que me fizeram. Passei nos primórdios pelos da Grundig, um salto
depois para a Onkyo, a seguir os Sony, as colunas JBL, o amplificador Quad, o
gravador Pioneer, o pick-up Technics, e eu sei lá mais o quê. Só sei que me
fechava no quarto e o mundo era meu, um mundo que me parecia querer muito bem à
vida e que sem interrogações apresentava-se-me colorido umas vezes, outras
dóceis e outras tantas festivas. Ouvi, gravei, cantei, sonhei tantos anos com
este culto e sem que nunca esses amores supremos lutassem contra o sensitivo
que fui. Com eles sempre fiquei mocidade vivaz e sobretudo poeticamente
enlevado. E, se chegado o tempo de concluir, quanto possível, em música, que o
prazer estava findo por esse dia ou noite, lá regressavam no amplo do dia
seguinte os tons quentes postos nos lóbulos das orelhas, mas também nas narinas
porque a música tem cheiros inebriantes, e tudo era outra vez gama de tintas
que se tonalizavam numa distinta paixão. E pela exuberância e largueza do que
sentia naqueles sons, deleitava-me num anseio de voar até que se esfumassem em
mistérios aprazíveis os desejos incontidos de quimeras sagradas. Afinal, devo
quase tudo à música sem que ela me tenha pedido algo em troca. Deliciava-me na
tinta poética dos crepúsculos sonoros, tal como na alva que depois vinha e,
mesmo se taciturno, vingava-me no vigor da sua fisionomia musical, expressiva,
e concentrava-me de novo na incidência e na insistência do som inteiro por fora
e por dentro. E, por vezes, até na música se me refugiava um esquecimento
sublime. Ainda hoje tudo isto se aquece no regaço do meu gosto teimoso, não obstante
ele me sussurre que não posso continuar nesse perfeito. Mas insisto, nem que de
onde a onde, com preocupações que me assustam e acobardam!
Mário Rui
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