De
outrora - e não há senão uma ténue fronteira à qual facilmente se fecham os
olhos, entre a recordação bondosa, meiga e gentil do que foi e do que é.
Gratos
beneficiários dessas lojas onde não só se percorriam recomendações mas também
paixões que vinham do desfrutar de coisas novas e diferentes, era desse modo
que se comercializava no tempo de antanho.
A
cada manhã a loja vestia roupas novas em folha e mesmo que isso fosse apenas
imaginação de menino de pouca idade, era sempre um gosto poisar os olhos nos
antigos armários de madeira, nas simétricas tulhas para cereais e legumes
secos, nas antigas bilhas de azeite, em metal.
Quando
o instante tocava a matar a sede às almas cansadas que lá pelo fim da tarde
ancoravam em porto seguro, então falava-se em almudes e cântaros eles mesmos
bem acantonados na adega não fosse secura forte atrever-se em demasia.
No
balcão de lousa, mais modesto mas nem por isso menos desafiador, o quartilho, o
meio quartilho e ainda uma panóplia de medidas mais pequenas, convenientemente
aferidas e seladas com um selo próprio de estanho, a curto prazo eram promessa
de compromisso bebedor, primeiro, e só depois falador entre pares.
O
funil, sei lá eu porquê, mas também a cantarinha, levavam o mesmo cunho oficial
cuidando-se talvez das sobras mal medidas que porventura fariam bem ao dono da
loja mas mal ao cliente.
Enfim,
na loja alternavam-se os períodos de alta e baixa e uma ou outra vez havia que
jogar na noção do lucro mais gordo e fácil pois gerir uma casa assim não era
coisa simples.
Importava
era que a marosca se fizesse de modo verdadeiramente purgado de conotações
perturbadoras e preocupantes para o cliente.
Era
mística própria e os prazeres do convívio tudo desculpavam.
Então
e os sólidos? Ah, esses entravam ao alqueire na loja, como o pão, ou às arrobas
como as batatas, ou ainda ao quarteirão feito vinte e cinco sardinhas.
Tudo
verdadeiros parentescos com a clientela e tempos de então, tudo engajamentos
mútuos, mesmo que muitas vezes não completamente românticos ou limpos.
Mas
fáceis de usar e compreender por ambas as partes. A época era outra, nem melhor
nem pior, simplesmente diferente mas, talvez, arrisco, mais autêntica, menos
pesada, mais lenta e por isso menos confusa.
Não
se pense que era vida simples de se levar para quem vendia e sequer para quem
comprava.
Não,
não era. Para todos virava vida difícil mas a par disso também havia
prodigalidade de experiência humana e uma sabedoria que se aprendia.
Era
assim a loja dos que nos foram chegados, um período do nosso tempo com relação
aos factos de certa natureza que nele aconteceram.
Mário Rui
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