Para a doença em que se morre duas vezes, e a primeira é em vida – coisa
estranha mas real - parece não haver ainda poente que a sossegue em definitivo.
Doença degenerativa que leva a um galopante ‘ser’ em ‘não ser’, a par de
outras, e que não mais significa do que baixar a ponte levadiça da vida, perder
as sentinelas e começar a redigir o terrível manifesto da despedida. É, é assim
e mais nada do que este assim. A fala faz-se tardia, a ideia enferruja-se e lá
vem o tenebroso estado sem viveza mental, incapaz de exprimir emoções por conta
própria. E por conta alheia, dolorosa igualmente, ainda que tentada a
esperança, resfria toda e qualquer ideia de efusão de sucesso. Mesmo ao mais
simples aceno de batuta, a orquestra que ouvíamos afinada, já só dá respostas
destoadas. E a vida, que raio de vida, num acabar destes nunca dá qualquer
penduricalho de mercê por bons serviços. É um deplorável episódio de fim de
viagem. Não sou médico, de cientista seguramente também não faria reputação,
tentei então a ciência no amparo ao drama. Não esqueci a sorte, acalentando a
ideia de que para a cativar era preciso insistir. Palavra, acho indecente, o
resultado não foi o esperado. No entanto, quero acreditar nos que lutam pela
cura da doença, nos que vão conseguir enxugar a neblina que cerra essa
descoberta de modo a que, tanto quanto possível, se erradiquem os
coleccionadores de dramas íntimos. Força ciência, porque em cada cura há gente
que quer tornar a viver!
sexta-feira, 7 de outubro de 2022
Doença de Alzheimer
Mário Rui
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