Acordei
um tanto mal disposto. Porque a vida nos prega partidas, porque o mundo não é a
cores, porque o clima é traiçoeiro e sobretudo porque esta expressão muito nos
diz do processo epocal em que estamos. A Beira, em Moçambique, foi dizimada. E
este foi também um processo que agora se percebe ser de sofrimento de longa
duração. Enfim, aqui tão perto, afinal tão simples, tão sinistro e tão capaz de
nos dar a real percepção endógena da sua identidade. Nem sequer quero dar
números. Somam um tal rol de desgraças que mais apetece dizer tratar-se do
desencantamento do mundo. Difícil de entender, é algo crescente, algo que está
em curso e com intensidades diferentes, mas completamente irreversível. Se
podia dizer o mesmo sobre outras tragédias que acossam mais mundo? Podia, se
calhar devia, mas apetece-me ser Beira, hoje. Nunca lá estive, mas essa não é
razão para agora abandonar uma relação de gosto que sempre tive por terra
quente. Ademais, o nosso conhecimento sobre muitas coisas é sempre uma parte do
conhecimento possível. Até pode ser apenas uma dedução elementar. E, sei lá, se
calhar esse é motivo pelo qual gosto dessa terra que, vivendo em meio de
dificuldades, sempre me pareceu ter uma magia capaz de representar na história
uma técnica de salvação efectiva e muito própria. Mas quando a terra dos magos
se vê esventrada, comida, inundada, já só resta pedir “precisamos simplesmente
de tudo” (Graça Machel). Deixou de haver magia que responda e centenas de
pessoas gritam por comida às portas da cidade. Dos outros sacrificados às mãos
da tormenta, já nem falo. É quando isto acontece que então nos descobrimos mais
e mais num mundo desencantado. Só quando chega aquela coisa fracturante do
invisível no meio visível é que nos apercebemos da nossa capacidade de emoção
perante o desabalado “espectáculo” das coisas más. Mas, ainda que nos
interroguemos, que sejamos apenas uma pequenina pergunta que se quer sobrepor
às respostas dadas pela catástrofe, salve-se a nossa solidariedade. Moçambique
merece, precisa. Cabe a cada um elaborar as suas ajudas! Acordei um tanto mal
disposto, porque a vida nos prega partidas.
Mário
Rui
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