Começaram em 15 de Setembro as aulas e o que nós queremos é uma escola colorida.
Acho
que nunca o tinha escrito, ou mesmo dito publicamente. No entanto, há sempre
uma primeira vez. Começaram ontem as aulas do ensino primário, agora dizem ser
básico, ou primeiro ciclo, não importa. Isso é apenas oratória representativa
pelo que mantenho a primária como pacífica. E venho à estampa já que me alegra
saber do contentamento dos que, pela primeira vez, irão pisar chão que ensina.
Os mais pequeninos(as), ladinos(as) e gaiteiros(as), os pais que experimentam
nova fase de crescimento dos rebentos, os professores que renovam a serenidade
dos que não temem ensinar. Hoje, é assim. Mas já houve um outro tempo, há muito
anos, em que passar a porta da escola era pôr os olhos no chão para que o
pudéssemos percorrer à vontade, mas só com o olhar. «Aqui ninguém conversa,
aqui ninguém dança, aqui ninguém ri, aqui ninguém canta, aqui ninguém se
distrai» - era esta a recepção do mestre-escola. Nesta ‘hospitalidade’, e na
que se lhe seguia ao longo do ano, pequenino como eu era, sentia retorcer-se no
professor um temperamento insatisfeito que, raras vezes, a sala de aula
conseguia perceber, amansar sequer e muito menos alterar o senso estético e a
imperfeição da vida escolar de então. Sim, era isto no mais das vezes o
professor. Porque hei-de eu mentir? Descobrir-lhe um eflúvio capitoso de cores,
sorrisos, bondade, coisas que vibrassem para sempre na nossa sensibilidade de
meninos(as), era para mim um receio de trambolhão certo, a que,
invariavelmente, se sucedia uma varada. Quando a cana caía sobre o dorso
ingénuo do puto, só uma espécie de sociedade de socorros mútuos, vinda das
outras carteiras da sala, poderia parecer-se como união lusitana de
resistentes, embora tal aliança não passasse enfim de um sonho. Aprendia-se
nesse tempo? Talvez, mas a medo, encolhidos num lote de actores que muitas
vezes assistiam impávidos, que não serenos, à moeda a pagar por tão mau feitio
do ensinador. À primeira vista até poderia parecer, na altura, e ainda hoje,
que, de facto, num país de analfabetos, esse seria um meio de instrução
primária de primeira grandeza. Mas não era e ponto final. Contudo, não é para
reclamar contra a exorbitância do preço que eu avivo estes factos. Só a eles
aludo por mera comparação com os de hoje, diferentes para melhor, e daí ser
outra a minha intenção. Vim cá apenas para tirar da minha cabeça umas teias de
aranha que podem estar a tapar alguma da minha massa cinzenta, mas sobretudo
para desejar uma escola alegre, amiga, de ligação quase conjugal, a toda a
meninice que a vai habitar. Sejam felizes aprendendo.
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