sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O que mais me espanta.



O que mais me espanta na admiração de alguns comentadores da nossa praça quanto à divulgação de documentos, tidos como secretos, de práticas menos recomendáveis de alguns Governos, não é tanto o facto de só agora tomarem conhecimento de tais devaneios governamentais, mas sobretudo o espasmo que manifestam por ser possível que tal informação venha à luz dos nossos dias. Antes mesmo de continuar devo confessar que o tal Sr. Julian Assange e a sua organização WikiLeaks em nada me surpreendem. Em todo o caso, bem gostaria eu que este ilustre Sherlock Holmes dos tempos modernos divulgasse, antes de mais, igual informação das ditaduras que por aí campeiam. Isso sim, para início de actividade, seria ouro sobre azul. Mas porque raio terá ele enveredado pela mexeriquice de regimes tidos por democráticos. Dá que pensar, não? Bom, mas voltemos ao raciocínio inicial. Então o que esperavam os ditos comentadores, leia-se jornalistas, na actual sociedade da informação, da abertura, da transparência, da democracia e o mais que estes e outros tantos apregoam como sendo a imperiosa virtude do nosso tempo? A liberdade. A liberdade é isto mesmo, meus senhores. E a julgar pela vossa dialéctica há-de vir a ser algo muito mais ignóbil, esta pobre liberdade. Então os Estados, e o nosso é disso triste exemplo, para além de outras organizações com carimbo securitário, não vasculham as nossas e as vossas vidas privadas? Não vos intriga que os actuais sistemas, quer sejam fiscais, bancários ou de outra qualquer natureza, e há tantos, conheçam ao ritmo de um simples clique a vidinha de todos nós? Sim, vidinha, disse bem. Ora vejam. Se vamos passear ou tão só arejar o automóvel lá somos perseguidos e descobertos em tempo real através daqueles sinistros identificadores. O nome não vos diz nada? Se querem conhecer os nossos próprios rendimentos, eu até diria, esses estão ao sabor do livre arbítrio do pachorrento dedo dum qualquer apagado agente da Fazenda Pública. O sistema bancário? Até faz transações de contas pessoais sem que nos apercebamos. Andar pacificamente na via pública sob o olhar atento das câmaras de vídeo que nos vigiam a cada passo, é outra virtude da democracia. Ou não? Mas há mais! Se nos metemos com aquelas entidades que tudo seguram, até a morte, é bom que nos blindemos. Essas espiolham-nos até à medula. Então onde está a vossa admiração pelos actos do dito Julian Assange? Não discuto sequer se a divulgação de tais segredos é coisa que se faça ou não. Apelo só ao vosso bom senso de modo a que afastem essa incredulidade quanto a estes factos, no estádio em que o Mundo rola e sob a capa da propalada democracia mentirosa que se nos é imposta tudo é, infelizmente, despido ao pormenor. Não fiquem pois deprimidos ilustres comentadores do meu País. Há anos, também um outro ilustre, mas à época político, escreveu uma obra intitulada “O Partido com paredes de vidro”. E afinal era tão escuro o vidro. Tudo vale nesta Sociedade da informação. Portanto não se espantem com os actos. Admirem-se sim é das regras. E já agora pergunto: não serão vocês mesmos os fiéis depositários e obedientes condutores desta liberdade mais ou menos perigosa? Olhem que convém que um homem resista à totalidade da sua época, que a faça deter à porta e a obrigue a prestar contas. Isto é o que exerce forçosa e verdadeiramente influência! Daí que seja importante clamar por regras quando elas devam ser aplicadas em lugar de poisar os olhos em perplexidades que decorrem do mau estado de saúde duma sociedade que também vocês defendem. E de que maneira. Pensem é em juntar-se aos que dizem que “esta ou aquela coisa é contrária ao bom uso da nossa liberdade”.
Mário Rui