quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O seu a seu dono












(Bastante crítico para com diversas classes da sociedade, Marinho Pinto acusou hoje o Governo, a polícia e os jornalistas de seguirem um “fundamentalismo justiceiro” e assegurou que, actualmente, “não há excesso de garantias nas nossas leis”, pelo contrário, “há demasiadas violações dos direitos dos cidadãos em alguns interrogatórios policiais sem advogados” e “há um fundamentalismo justiceiro de alguns polícias e até de jornalistas”.)

Imprensa escrita de hoje

Eu denuncio, eu denuncio e eu torno a denunciar. O verbo denunciar significa acusar em segredo. Mas também tem outro sinónimo. Dar-se a conhecer. O que pressupõe fazê-lo de modo a que todos percebam quem são os acusados. Pessoas com nomes. O bastonário queda-se sempre pelo mesmo teorema, o de agastar instituições que não sujeitos. Assim sendo, e com tanta denuncia anónima, eu que até sou um simples ignorante em matéria de administração da justiça, fico a pensar que a suposta aura popular é como a fumaça. Desaparece em poucos instantes. Até pode o bastonário ter razão no que diz. O problema é que o utente da justiça, de tanto ouvir gente que, assim como o eco, repete as mesmas palavras de modo interminável, só pode achar que o filantropo o é mais vezes por vaidade política que por virtude. E é pena. Especialmente quando o discurso é mesmo político e não do exclusivo foro da justiça que tanta falta nos faz. O seu a seu dono.

Mário Rui

105 anos depois






























A 1 de Fevereiro de 1908, no regresso de mais uma estadia em Vila Viçosa, o rei D. Carlos e o princípe herdeiro D. Luís Filipe, são assassinados em pleno Terreiro do Paço. De um só golpe, Costa e Buiça, decapitavam a monarquia portuguesa, deixando o trono nas mãos de um pouco preparado D. Manuel, sem capacidade nem margem de manobra para gerir uma situação política explosiva que culminaria com a queda da monarquia e a implantação da República a 5 de Outubro de 1910.

“ (…) Eram cinco da tarde quando o vapor D. Luiz, dos Caminhos-de-Ferro do Sul e Sueste, atracou. (...) O vapor do Barreiro atracou finalmente à ponte do Terreiro do Paço às 5 horas e 20 minutos [5 horas e 10 minutos, segundo outra versão] com pouco mais de uma hora de atraso, (...)."

No Terreiro do Paço tudo parece tranquilo. Continuo perto do Buiça que segue atentamente as movimentações que se desenrolam.

Do lado oriental da praça o movimento é o normal àquela hora da tarde; do lado oposto, o enfiamento da Rua do Ouro que vai até ao cais fluvial, [situava-se à direita do Cais das Colunas, do lado oposto à actual estação do Sul e Sueste] está vedado ao trânsito de veículos para dar passagem, dentro em breve, às carruagens do rei e do seu séquito. Ali há gente pelas janelas dos ministérios, gente ao longo da arcada, gente em grupos no passeio da placa central, junto às árvores e aos quiosques de venda de jornais.

Deviam ter chegado às quatro e um quarto da tarde e passam das cinco quando a ponte é lançada entre o navio e o cais. Desembarcam.

Vem à frente a rainha, seguida pelo rei e pelo príncipe real. D. Amélia logo se encaminha ao encontro do filho mais novo, para o beijar com ternura. D. Luís Filipe e o irmão abraçam-se. D. Carlos corresponde às continências militares, recebe os cumprimentos dos ministros e dos fidalgos, ouvem-no dizer ao chefe do Governo, João Franco, que siga com a comitiva e que vá direito ao palácio. Uma pequena afilhada da rainha dá-lhe um ramo de flores, recebe em troca um beijo. À entrada da sala de espera detêm-se num discreto recanto em conversa confidencial com alguns fiéis. Pouco depois a rainha aproxima-se do grupo e intervém na conferência. Andam no ar mil suspeitas e incertezas. A conversação prolonga-se por vários minutos. O visconde de Asseca, estribeiro-mor, volta a perguntar a D. Carlos se prefere atravessar a cidade de automóvel ou de carruagem aberta. Escolhe a carruagem aberta.

Não demoram mais de um quarto de hora os cumprimentos. O conde de Figueiró anuncia que tudo está pronto para a partida. A família real sobe para o landau guiado pelo cocheiro Bento Caparica. O príncipe é o primeiro a subir. Sobe depois o infante, o rei em seguida - e os três conservam-se de pé nos seus lugares, aguardando a subida da rainha. Esta sobe, ramo de flores na mão, na face um sorriso enigmático.

Sentado o rei à esquerda da rainha, enquanto em frente fica o seu filho mais velho, ao lado do qual se senta D. Manuel, o cortejo põe-se, finalmente em marcha.

Paira um certo nervosismo. D. Carlos leva um revólver Smith & Wesson calibre 32, que mantém na mão, fora do coldre, no bolso do capote. Atrás da carruagem régia vai a da casa civil, a dos dignitários de serviço.

“ (…) As carruagens partiram a trote curto pela rua ocidental do Terreiro do Paço, e as diferentes pessoas, que iam e vinham ao longo da arcada e pelos passeios, tiravam respeitosamente o chapéu, a que o rei correspondia fazendo a continência militar e conservando nos lábios o seu sorriso atraente, (...).”

De súbito, do lado da praça, quase em frente do Ministério da Fazenda, agora estação dos CTT, ouve-se o estalido seco duma primeira detonação.

Às cinco horas e vinte minutos, o comando dos Bombeiros de Lisboa recebe do posto n.º 8 a seguinte mensagem: «Ouvimos agora muitos tiros aqui no Terreiro do Paço. Próximo do Ministério da Guerra há muita gente em alvoroço. Foi o desembarque de Suas Majestades. Bombeiro 231.»

Um homem de longo varino e barbas, vindo da placa central do Terreiro do Paço, tira uma carabina da capa, assenta o joelho em terra e desata a disparar. É o Manuel Buíça com a sua Winchester, que se colocou à retaguarda da carruagem a cerca de cinco a oito metros de distância abrindo fogo sobre o rei. Logo ao primeiro tiro acerta no pescoço de D. Carlos, quebrando-lhe a coluna vertebral e matando-o instantaneamente.

Outros tiros soam pelo Terreiro do Paço que se transforma num campo de batalha, enquanto o Buíça continua implacável na sua acção. Dispara um segundo tiro atingindo o ombro esquerdo do monarca que cai para a direita sobre a rainha.

E logo, repentinamente, um vulto franzino de rapaz, de Browning FN, de calibre 7,65 em punho, corta o cordão de curiosos e polícias, põe o pé no estribo do lado esquerdo da carruagem real e dispara duas vezes sobre D. Carlos, já sem vida. É o Alfredo Costa que secunda Buíça. Apavorada, a rainha fustiga a cabeça do homicida, que procura alvejar de novo o monarca.

O príncipe D. Luís Filipe levanta-se e aponta o seu Colt, de calibre 38, mas, antes de poder disparar, já o Costa abria fogo sobre ele, atingindo-o na região do externo atravessando-lhe o pulmão. Embora ferido, o príncipe consegue ainda disparar quatro tiros sobre o regicida, que caiu por terra, onde é morto à espadeirada e a tiro pela polícia.

Entretanto, o Buíça continua a disparar, e, revelando uma pontaria espantosa, atinge o príncipe na cabeça. A bala atravessa-lhe a face esquerda, saindo-lhe pela nuca. O príncipe tomba na bancada da frente. Estoiram mais tiros, quase simultâneos, cinco, dez. O infante, ao amparar o irmão, é atingido num braço por um projéctil. A rainha esforça-se por acudir aos filhos, recebendo nos braços o cadáver do marido. O cocheiro, ferido numa das mãos, lança os cavalos à desfilada.

Na vertigem do terror o tenente Figueira abate o homem das barbas com uma estocada - recebendo, apontada por ele, uma bala na coxa.

Mário Rui