terça-feira, 1 de novembro de 2011

Televisão e Justiça



Já há uns dias o tinha visto na TV e confesso que não lhe dei muito importância, sobretudo pelo que lá se dizia, ou discutia, sendo que, ainda assim, fiquei acordado até ao fim para aquilatar do interesse que eventualmente aquele programa poderia ter para os portugueses em geral. E digo portugueses em geral já que é suposto que tal incursão pela televisão estatal sempre seja vista e ouvida por umas centenas, senão milhares de cidadãos interessados do e no assunto.

Então é asim: o programa chama-se “Justiça Cega”, o que logo à partida até parece ter sido um nome cirurgicamente escolhido para o que lá se diz ou não diz. Seguindo esta linha de racíocinio, e se eu mandasse na televisão que todos pagamos, a primeira alteração que faria seria mudar esse nome para “A Justiça é Cega”. Não porque condene ou absolva de modo errado os contenciosos que pelas salas dos tribunais vão sendo avaliados, nessa matéria confesso-me um ignorante atento, mas antes porque de facto aquilo que vi há uns tempo atrás, bem assim como o que ontem mesmo voltei a ver, é confrangedor.

Confrangedor desde logo porque eu entendo que a metamorfose que há já algum tempo se tem vindo a verificar com os juízes, que por tudo e por nada se expôem publicamente e assim se assemelham ao vulgar cidadão que sobre qualquer causa ou cousa alvitra opinião, não deveria acontecer. O juíz, a quem está confiada a tarefa de julgar o próximo, não é com toda a certeza um ser dotado de poderes sobrenaturais e por isso mesmo não tem de se esconder atrás do biombo.

Mas tanta exposição, tanta conversa , no meio da dita comunicação social, não lhe fica bem. E sabem porquê? É que na praça pública ninguém acredita nos homens e mulheres cuja função é administrar a justiça. Não, não e não três vezes! E, na praça pública, é sempre com gestos que se persuadem as gentes. Se o juíz quer subir lá acima, que o faça serenamente no seio e no meio da sua gente. Esse será certamente o lugar certo para que se elevem os que pronunciam sentenças.

Afinal o que nós procuramos são maiores certezas, e para isso recorremos ao juíz na expectativa de que nos dê menores incertezas. E a este constante (des)aparecimento público que se pede, não se chama coartar de liberdade, mas antes a assumpção de uma digna profissão que exige recato em tudo o que se diz e faz. Já uma vez o disse e repito: não é ao redor dos inventores de novas algazarras, como a que vi ontem, que a justiça se eleva ou dignifica. É ao redor dos inventores de valores novos , que o mundo gravita.

No referido programa de ontem, ao que parece de modo residente, está também o bastonário da ordem dos advogados e um criminologista. Quanto ao primeiro, eu, ignorante como sou, repito, bem percebo a polémica e a permanente luta interior que o move. A polémica é-lhe vantajosa. Se discutir com aquele que comete o acto de questionar e quantas vezes de refutar as suas “verdades”, mais não faz que recusar a sentença de quem por direito próprio assume esse papel. E enquanto verdades e mentiras se misturam, lá se vai ganhando tempo e dinheiro.

Bom, já discorri sobremaneira sobre o assunto e sobre o papel que a cada um cabe.
O programa de televisão a que assisti ontem, nada mais foi que uma discussão mole, redonda, em torno do vencimento que uns e outros auferem.
Eis pois chegado o momento do criminologista e ao mesmo tempo presidente de câmara, se achar no direito de informar os portugueses do seu parco pecúlio mensal. Nada mais havia para dizer e então aproveite-se a discussão para mais uma lamúria a propósito daquilo que merece ganhar, por desempenhar tão democrático papel na autarquia que governa. Com programas destes e com personagens que no mais das vezes discutem o acessório, esquecendo o essencial, não vamos lá. Pois então, o que vos peço é que se calem todos mas, em compensação, respeitá-los-ei.

Meus caros amigos a melhor e única maneira de fundar o futuro é pensar o presente. O que ontem se debateu não foi uma coisa ,nem outra. Foi tão sómente um acumular de cinzas que já vêm sopradas pelo vento agreste de outras bandas. E finalmente voltámos a ficar mais pobres.

Mário Rui