sábado, 17 de dezembro de 2011

A uns e a outros



Não vos ofereço balões porque já somos, todos nós, suficientemente adultos para nos alegrarmos com tal artefacto. De resto, nem sequer sei se iriam gostar de os encherem de ar, que é coisa qua a cada um de nós começa a escassear para viver. Ar puro, daquele que em vez de nos trazer amarguras, sempre nos enche de um novo folêgo para enfrentarmos mais não sei quantos dias, semanas, meses, anos de vida. Assim o espero e desejo a todos quantos no passado dia 16 de Dezembro estiveram juntos em mais uma jantarada de Natal, altura em que, em maior número e embuídos de um outro espírito, necessariamente mais fraterno, nos unimos para celebrarmos a data.

Mas é bom referir que, sendo a data marcante para todos, não é menos importante que estes “ajuntamentos” sirvam simultaneamente para trazer à memória velhas histórias, velhas peripécias, que fizeram de nós adolescentes, jovens e depois adultos. Se me perguntarem qual a melhor fase das nossas próprias vidas, terei eterna dificuldade em escolher uma. Todas foram vivenciadas e marcadas por um ou muitos episódios que nos deixaram chegar, às vezes com alegrias, outras tantas com tristezas e angústias, ao que somos hoje. Sempre gostámos do convívio dos nossos amigos, amigos que connosco atravessaram estradas poeirentas, caminhos cheios de luz e imaginação, rotas que por vezes muito nos custaram à alma, ao coração e sobretudo ao espírito.

Mas, enfim, dizem alguns que a vida é feita disto mesmo. Não que discorde da afirmação, mas parece-me que em muitos casos poderia e deveria ser bem diferente. Para melhor, entenda-se. Não creio em coisas eternas assim como muito me custa interiorizar a partida, o ir sem regresso, de alguns dos melhores parceiros que algum dia tivemos. A vida continua a ser assim? Talvez. Mas agora com mais veemência, porque dos amigos vos falei, não quero emparceirar com esta ideia que parece blindada e intocável, de que temos que nos resignar a esse cenário.

Perguntar-me-ão então os meus amigos, como reverter este trajecto tantas vezes companheiro e, afinal, muitas mais vezes matreiro, ladrão, fantasma. Não tenho resposta para tal questão. Estas realidades, em boa verdade, ultrapassam-me sem que seja capaz de lhes dar uma definição aceite pela maioria, ou tão-só uma pequenina razão para que assim aconteçam e as possamos percepcionar com alguma lucidez e sem muita filosofia ou metafísica. Nunca gostei de ficção e sempre amei o que é terreno e minimamente palpável, perceptível. Quando assim não acontece, logo tenho litígios com a minha própria consciência.

Fico triste, acabrunhado, ciente de que poderia ter feito algo para alterar o curso destes destinos mas, finalmente, tenho de dar a mão à palmatória. Não está ao meu alcance tal desiderato. E como fico interiormente revoltado por saber que a este ou àquele amigo, não me foi possível mudar-lhe o rumo que, seguramente, ele próprio não teria escolhido.

Eu sei que é Natal. Também sei que é um tempo de maior solidariedade. Também sei que todos nós, em momentos mais difíceis, sempre pensamos do modo como atrás enunciei. É por isso que, sem querer influenciar pensamentos ou acções de outros, ainda assim apelo às consciências que eu também sei que são sãs, dos meus amigos, no sentido de que façamos, nem que seja por um breve instante, uma paragem de vida para homenagear, e chorar se for o caso, a companhia, ou antes a ausência, daqueles que se foram e não mais partilharam connosco as coisas boas e más que eles tinham para nos dar e não deram. Seguramente não por culpa própria, mas porque algo ou alguém que eu desconheço, desculpem-me os crentes religiosos, não permitiu que assim fosse.

E, sem qualquer espécie de rebuço ou preconceito, com os olhos inundados de lágrimas de apego pelos que amei à minha maneira, permito-me com toda a propriedade, lembrar aqui os nomes dos meus, dos nossos grandes e leais amigos e amigas que desembarcaram definitivamente em portos distantes, longe de nós. O Américo, o Luz, o Carlos Cruz, o Paulo Mano, a São, a Teresa, o “velho” Reis, o “velho” Zé Ferrolho, o Toninho Traqueia e irmã, o Rui Traqueia e tantos outros que abalaram sem que nos tivessem pedido licença para nos deixarem mais sós.

Perdoem-me os respectivos familiares mas eu tinha que os lembrar, não só pelo respeito que nos continuam a merecer, mas também por tudo o que nos ensinaram, pela companhia que nos dedicaram, pela amizade fecunda de que nos impregnaram. Tinha de dizer isto. Em qualquer altura. Há já demasiados anos, ou dias, que resistia à totalidade das minhas frustrações para deixar por muito mais tempo de dizer isto. Obrigado por vos ter tido como exemplo para as nossas próprias vidas.

Não pretendo sensibilizar ninguém para os desenlaces que cada um de nós já sentiu e viveu. Até porque as verdades são sentidas por todos e por cada um à sua maneira. A minha é esta porque todos os que enunciei mais os que esqueci, e perdoem-me por isso, me fazem muita falta. Agora que o disse, fiquei mais tranquilo e só espero que relativamente aos que, como eu pensam, assim fiquem também. O que não podemos é calar as verdades que nos vão na alma. Sabem porquê? Porque essas verdades não ditas, envenenam-nos.
Agradeço a todos os meus amigos a santa paciência que tiveram em ler-me mas, em obediência a todo um mundo de sentimentos, paixões, vivências e experiências que até agora me ocupavam um canto do meu, e se calhar do vosso espírito, julgo ter ficado em mais harmonia e tranquilidade convosco e com os que amei a certa altura e que, pese embora a sua ausência, hoje mesmo ainda me servem de guias.

Um abraço a todos e para nós que temos outra fé, que a vida nos sorria. Portem-se bem e um especial agradecimento ao Fernando Reis, a quem quero deixar um abraço, um tudo-nada mais apertado que o dado aos restantes, mas sem qualquer desprimor para estes, já que o álbum fotográfico do jantar de ontem, desencadeou em mim este despejar, quem sabe, de lânguidas palavras sem sentido mas que há muito já devia ter dado à estampa.
Já agora nunca esqueçam: “O Deserto cresce; ai daquele que traz em si Desertos”
Beijinhos.
Mário Rui