quinta-feira, 15 de março de 2012

Otelo e a história do capuchinho vermelho




A grandiloquência política deste homem e deste discurso, espanta-me. É caso para que me seja permitido o plebeísmo e afirmar que “e ele a dar-lhe e a burra a fujir”. Otelo quer outro happening como em 1974 e insiste na ideia já peregrina de refazer a revolução. Parece querer reviver uma revolução que, iniciada e assente em princípios que até pareciam nobres e justos, rapidamente se transformou numa caça ás bruxas de que Otelo terá sido o verdadeiro mentor e depois executor.

E a quem fez o que fez, se honra e ética houvesse, não deveria sequer ser-lhe dada a palavra no que à democracia ocidental diz respeito. Até podia ter razão de queixa do já longínquo e persistente estado de subserviência e dependência a que o país chegou. Podia sim senhor, mas não tem. E não tem pela simples razão que, em si mesmo, ele não personifica nenhuma mudança confiável.

Se já não o foi há 35/36 anos, com um percurso nebuloso para não lhe chamar de criminoso, desde então, como poderíamos hoje dar algum crédito ao que vocifera e vaticina para o futuro de Portugal. É o veho dilema do crédito e do débito. Fica-me quase sempre a ideia, quando leio ou ouço o que tem para nos dizer, que bem melhor seria estar calado. Todos nós estamos altamente insatisfeitos com a lamentável cidadania a que uma classe política, impreparada para gerir uma área geográfica de pouco mais que 92 0000 km², dita soberana? e unitária, nos conduziu.

Tudo o que tinham para governar se situava à volta de 10 milhões de almas. Tão pouco para tanto mal que nos fizeram. Em todo o caso, se com estes agrestes políticos não fomos capazes de arrancar vitória, muito menos a iríamos conseguir à paulada, ao assassinato dos que não afinam pelo mesmo diapasão dos outros e, ainda por cima, como que comandados por um qualquer militar sedento de poder que facilmente se transforma em sangue.

Para desassossego, já temos que chegue! Posto deste modo o problema, já que é de problema que se trata, prefiro que nos viremos para gente, ainda que de fraca consistência política, mas ainda assim com dois dedos de sensatez. Não lhes retiro um cantinho que seja do rótulo que lhes aposto. Porém, guerra é guerra, e desengane-se aquele que pense que é com esse recurso que saíremos do atoleiro.

É pois, por todo este conjunto de visões que eu tenho, que não acredito e jamais acreditarei nas ousadas palavras do senhor de Otelo. E entretanto, meu amigo longínquo, não me venha falar no imperativo categórico!... É uma frase que sempre me fez estar na defensiva e nunca me poderia impedir de rir se o voltasse a ouvir a dizer o que diz, apesar da sua tão séria presença.

O que nós queremos é fazer como Rafael, o artista, e não pintar mais martírios. Entre outros aspectos do seu discurso e prática – porque há muitos outros – a luta que o senhor sempre idealizou, representa seguramente e apenas o combate das naturezas mesquinhas e vulgares. Dos que ruminam longas desconfianças quanto ao valor da vida e de um povo.

Boa noite senhor Otelo e espero que lhe passem depressa esses acessos napoleónicos de despotismo. Durma, durma muito e sossegado que nós, os remediados, não o acordaremos.

L'aventure c'est l´aventure. Já a tivemos noutros tempos... e até a história do capuchinho vermelho já está gasta de tantas vezes contada.


Mário Rui

Irmãos



Aos filhos únicos, sinto muito, mas os irmãos são essenciais.

Mas a relação nem sempre começa com essa percepção. Os irmãos começam, geralmente, por ser os piores inimigos um do outro. Envergonham-nos em frente às miúdas giras da escola, recusam levar-nos com eles nas primeiras saídas à noite, acusam-nos pelo vidro partido enquanto jogávamos à bola no pátio da avó, culpam-nos e insultam-nos pelas birras infantis no restaurante, roubam-nos a última batata frita do prato e enquanto fugimos depois de termos tocado à campainha da vizinha, eles ficam para trás para lhe dizer que foi o “meu irmão, dona Zelda”.

Depois desta fase, é com os irmãos que vêm as primeiras noções de lealdade e de fidelidade, as primeiras alegrias e tristezas partilhadas e o companheirismo e a cumplicidade, até que chegamos finalmente ao ponto em que eles nos pagam um copo em frente à miúda de quem nos costumavam envergonhar em pequenos.

Com os nossos irmãos aprendemos também a enfrentar o mundo e os mauzões que nos atormentavam lá na escola, a ludibriar os nossos pais com a sua preciosa confirmação de que “não foi o mano que partiu o vaso do jardim”, a ignorar os joguinhos das miúdas que primeiro mexeram connosco, a manter a postura nesta ou naquela situação e até as primeiras técnicas de engate.

Os irmãos são como os profetas – e contra mim falo - que acham que sabem tudo, mas sabem, no fundo, tanto como nós. Essa é a má notícia. A boa é que para nós, tudo o que eles digam ou façam será sempre tomado como exemplo. E dos bons!

Ter irmãos é maravilhoso e ainda bem que eu só tenho um. Dois dariam muito mais trabalho.

Não sei como é não ter irmãos, porque nasci depois do meu. Mas presumo que seja extremamente triste não ter um a quem possamos desligar a luz do quarto de banho ou o esquentador no preciso momento em que ele se prepara para entrar no banho.


Rui André