sábado, 29 de setembro de 2012

Quem nos dá este solzinho, quem é?


















"Agora sol na rua a fim de me melhorar a disposição, me reconciliar com a vida. Passa uma senhora de saco de compras: não estamos assim tão mal, ainda compramos coisas, que injusto tanta queixa, tanto lamento. Isto é internacional, meu caro, internacional e nós, estúpidos, culpamos logo os governos. Quem nos dá este solzinho, quem é? E de graça. Eles a trabalharem para nós, a trabalharem, a trabalharem e a gente, mal agradecidos, protestamos.

Deixam de ser ministros e a sua vida um horror, suportado em estóico silêncio. Veja-se, por exemplo, o senhor Mexia, o senhor Dias Loureiro, o senhor Jorge Coelho, coitados.
Não há um único que não esteja na franja da miséria. Um único. Mais aqueles rapazes generosos, que, não sendo ministros, deram o litro pelo País e só por orgulho não estendem a mão à caridade.

O senhor Rui Pedro Soares, os senhores Penedos pai e filho, que isto da bondade as vezes é hereditário, dúzias deles. Tenham o sentido da realidade, portugueses, sejam gratos, sejam honestos, reconheçam o que eles sofreram, o que sofrem. Uns sacrificados, uns Cristos, que pecado feio, a ingratidão.

O senhor Vale e Azevedo, outro santo, bem o exprimiu em Londres. O senhor Carlos Cruz, outro santo, bem o explicou em livros. E nós, por pura maldade, teimamos em não entender. Claro que há povos ainda piores do que o nosso: os islandeses, por exemplo, que se atrevem a meter os beneméritos em tribunal. Pelo menos nesse ponto, vá lá, sobra-nos um resto de humanidade, de respeito. Um pozinho de consideração por almas eleitas, que Deus acolherá decerto, com especial ternura, na amplidão imensa do Seu seio. Já o estou a ver
- Senta-te aqui ao meu lado ó Loureiro
- Senta-te aqui ao meu lado ó Duarte Lima
- Senta-te aqui ao meu lado ó Azevedo
que é o mínimo que se pode fazer por esses Padres Américos, pela nossa interminável lista de bem-aventurados, banqueiros, coitadinhos, gestores que o céu lhes dê saúde e boa sorte e demais penitentes de coração puro, espíritos de eleição, seguidores escrupulosos do Evangelho.
E com a bandeirinha nacional na lapela, os patriotas, e com a arraia miúda no coração. E melhoram-nos obrigando-nos a sacrifícios purificadores, aproximando-nos dos banquetes de bem-aventuranças da Eternidade.

As empresas fecham, os desempregados aumentam, os impostos crescem, penhoram casas, automóveis, o ar que respiramos e a maltosa incapaz de enxergar a capacidade purificadora destas medidas.
Reformas ridículas, ordenados mínimos irrisórios, subsídios de cacaracá? Talvez. Mas passaremos sem dificuldade o buraco da agulha enquanto os Loureiros todos abdicam, por amor ao próximo, de uma Eternidade feliz. A transcendência deste acto dá-me vontade de ajoelhar à sua frente. Dá-me vontade? Ajoelho à sua frente indigno de lhes desapertar as correias dos sapatos.
Vale e Azevedo para os Jerónimos, já!
Loureiro para o Panteão já!
Jorge Coelho para o Mosteiro de Alcobaça, já!
Sócrates para a Torre de Belém, já! A Torre de Belém não, que é tão feia. Para a Batalha.
Fora com o Soldado Desconhecido, o Gama, o Herculano, as criaturas de pacotilha com que os livros de História nos enganaram.

Que o Dia de Camões passe a chamar-se Dia de Armando Vara.

Haja sentido das proporções, haja espírito de medida, haja respeito. Estátuas equestres para todos, veneração nacional.
Esta mania tacanha de perseguir o senhor Oliveira e Costa: libertem-no.
Esta pouca vergonha contra os poucos que estão presos, os quase nenhuns que estão presos como provou o senhor Vale e Azevedo, como provou o senhor Carlos Cruz, hedionda perseguição pessoal com fins inconfessáveis. Admitam-no.

E voltem a pôr o senhor Dias Loureiro no Conselho de Estado, de onde o obrigaram, por maldade e inveja, a sair. Quero o senhor Mexia no Terreiro do Paço, no lugar D. José que, aliás, era um pateta. Quero outro mártir qualquer, tanto faz, no lugar do Marquês de Pombal, esse tirano.
Acabem com a pouca vergonha dos Sindicatos. Acabem com as manifestações, as greves, os protestos, por favor deixem de pecar.
Como pedia o doutor João das Regras, olhai, olhai bem, mas vêde. E tereis mais fominha e, em consequência, mais Paraíso. Agradeçam este solzinho. Agradeçam a Linha Branca. Agradeçam a sopa e a peçazita de fruta do jantar. Abaixo o Bem-Estar.
(...)Para isso já há dinheiro, não é? E vocês a queixarem-se sem vergonha, e vocês cartazes, cortejos, berros. Proíbam-se os lamentos injustos. Não se vendem livros? Mentira.
O senhor Rodrigo dos Santos vende e, enquanto vender, o nível da nossa cultura ultrapassa, sem dificuldade, a Academia Francesa. Que queremos? Temos(...) literatura e os ministros e os ex-ministros a tomarem conta disto.

Sinceramente, sejamos justos, a que mais se pode aspirar? O resto são coisas insignificantes: desemprego, preços a dispararem, não haver com que pagar ao médico e à farmácia, ninharias. Como é que ainda sobram criaturas com a desfaçatez de protestarem?
Da mesma forma que os processos importantes em tribunal a indignação há-de, fatalmente, de prescrever.

António Lobo Antunes in 'Visão'

Mário Rui

A Lei da Conservação das Massas




















Antoine Lavoisier foi realmente um génio. Quer no seu tempo, quer hoje mesmo. "Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". A Lei da Conservação das Massas, publicada pela primeira vez em 1760, por Mikhail Lomonosov, depois estudada por Lavoisier e finalmente experienciada e aplicada por alguns portugueses, só a partir do ano de 1974 se revelou em todo o seu esplendor e utilidade. Portugueses que até conseguiram dar-lhe uma nova definição; 'Lei da Conservação, Multiplicação e Não Distribuição das Massas'. Depois digam que não temos cientistas sociais tão bons quanto os outros.
Mário Rui

Velhacos seres


















O meu continuado pessimismo e falta de respeito para com os políticos que nos levaram à ruína mais não me  dá senão a certeza de que nunca mais lá chegaremos.  Bem me podem alguns espectadores atentos tentar convencer  que a culpa foi do líder  A e não do B ou do C.  Todos eles foram demasiado maus na condução da coisa pública. E não se imputem culpas aos portugueses. Serão sempre os últimos a aceitar  qualquer factura que lhes queiram cobrar já que sempre foram os únicos que se sacrificaram, que  foram espoliados, despojados dos seus bens, afinal em nome de coisa nenhuma. E se de todo este  calvário houver, e há, fiéis depositários  e especialmente  infiéis ganhadores, então esses serão com toda a certeza os líderes que nunca tivemos, os partidos que nunca olharam para o bem comum mas antes  para o seu próprio umbigo, os sindicatos  que pararam o país ansiosos por sonhos inatingíveis,  os presidentes que fecharam os olhos e os apertaram bem para bem dormirem e  depois serem reeleitos.  Todos estes velhacos seres humilham e desabonam qualquer cidadão honesto. Não passam de seres litigantes e pretendentes. Valem pouco.  De resto, no ciclo em que estamos, o  único impropério que lhes devemos dirigir é mesmo de ´políticos’.  E como a fortuna de toda esta escumalha nos maltrata, ´político´  em Portugal já só significa  calamidade. O sistema, por cá, é um velho e ambicioso charlatão. Tudo se vende no grande mercado da tal política, menos juízo, o que falta a muita desta gente e não sobra a ninguém. Sem querer ofender as leis da civilidade, só me resta  acrescentar que, tomadas em conjunto, todas estas considerações apontam para a conclusão de que uma sociedade livre e responsável apenas pode ser criada mediante a participação activa dos cidadãos honestos como um todo. E o que jamais deve ser aceite é outra revolução que nos leve à instauração de um novo Estado que instale novos dominadores. Primeiro passo; acabar com os actuais. Meta seguinte;  queremos antes de mais apontamentos para um romance de vida que terá o mérito de ser verdadeiramente português. Então não  concedamos protecção aos maus comportamentos. Se voltarmos a usar o voto como arma, pois que seja para o despedimento colectivo da cáfila que nos desgovernou ao longo das últimas décadas. Há certamente outros melhores. É tudo uma questão de mudança.

Mário Rui