terça-feira, 25 de setembro de 2012
















Mário Rui

O comboio sem carril


















Se uns estão a contas com a justiça, outros há que já se preparam para novo 'arranjo' de mais uns kilómetros de linha férrea. Querem lá ver que vamos ter outra vez robalos. Pelo sim, pelo não, melhor é avisar quanto antes os chefes de estação da linha Lisboa-Porto. Ah, pois! Agora já não existem. Então avisem pelo sistema de som  «... ... atençãum, atençãum a todos os srs. passageiros. Ao quilómetrum corenta encontram-se dois indivíduuuuns a tirar as medidas ao carril. O mais certo é ficarmos sem carril para o comboium. Vamos parar e fujam todos ...»

Mário Rui

A dívida existe mesmo?














Sei que dívidas tenho. Tenho uma dívida a um banco, contraída para comprar a casa onde moro e garantida por uma hipoteca, que pago mensalmente. E tenho pequenas dívidas pontuais no meu cartão de crédito, que vou saldando conforme me convém.

A maior parte das pessoas que conheço tem uma estrutura de dívida semelhante, que paga com maior ou menor difi culdade, mas vai pagando sempre. De facto, enquanto uma empresa pode ter um limiar de endividamento elevadíssimo, que pode ir subindo para além do sustentável com alguma chantagem (“Se não puder comprar matéria-prima, declaro falência, lanço os trabalhadores no desemprego e os credores fi cam a arder!”), os particulares têm em geral de ser mais comedidos (com as óbvias excepções de dirigentes do PSD e amigos de Cavaco Silva, como Dias Loureiro ou Duarte Lima), pois não possuem as mesmas formas de pressão.

Há uns anos, começámos a ouvir falar do volume excessivo da dívida pública (que hoje rondará os 124% do PIB) e disseram-nos que precisávamos de a pagar urgentemente.

Devíamos dinheiro a bancos estrangeiros e, como precisávamos de pedir mais dinheiro para despesas correntes, não podíamos correr o risco de falhar uma prestação dos empréstimos anteriores. Tínhamos vivido acima das nossas possibilidades, disseram-nos. O Governo de Passos Coelho, quebrando as promessas eleitorais, pôs fim aos subsídios de férias e Natal com impostos extraordinários, cortou os nossos salários com aumentos de IRS, cortou subsídios e pensões, aumentou os preços de serviços e fez cortes a eito na saúde e na educação garantindo que a única saída para a crise era empobrecermos. E, como esses cortes não chegariam, também ia ser preciso vender empresas públicas para fazer dinheiro depressa.

Tudo isto, recorde-se, para reduzir a nossa dívida, que gerava défi ces insustentáveis, já que para pagar mensalidades dos empréstimos antigos se contraíam novos empréstimos a juros mais elevados.

Foi em nome do pagamento desta dívida que nos foram impostos sacrifícios e que se foi sacrifi cando o Estado social.

É em nome do pagamento desta dívida que se vendem os bens do Estado a preço de saldo. É em nome do pagamento desta dívida que se sacrifi cam os mais pobres, com o argumento de que temos de competir com a mão-de-obra barata da Ásia. É em nome do pagamento desta dívida que se desbaratam os investimentos feitos na educação, na investigação e na tecnologia nos últimos anos. É em nome do pagamento desta dívida que se sacrificam os cuidados de saúde — considerados um luxo incomportável num país endividado como o nosso. É em nome do pagamento desta dívida que se diz aos jovens que emigrem, que se diz aos pobres que não sejam piegas, que se diz aos trabalhadores que têm de ser formiguinhas trabalhadeiras e deixar de cantar canções do Lopes Graça nas manifestações.

Mas que dívida é esta? Para começar,quanto devemos exactamente e a quem?

Alguém já viu a lista das dívidas? Quem a certificou? Quem a auditou? Quem são os credores? E devemos de quê? O que comprámos? O que pedimos emprestado?

Em que condições? Quando? Quem pediu? Quem recebeu? Onde e quando

Para onde entrou o dinheiro? Para que serviu? Ainda podemos questionar se o dinheiro foi bem gasto ou não. Se serviu principalmente para encher os bolsos das empresas das PPP, da Soares da Costa, da Mota-Engil, do grupo Espírito Santo, do grupo José Mello, se serviu para fazer estádios ou se serviu algum objectivo social meritório, mas antes disso eu gostava de saber se devemos mesmo, a quem, quanto e porquê. E não sei.

É que essa é a informação a que eu tenho acesso na minha hipoteca e no meu cartão de crédito. Essa é a informação que qualquer credor tem de mostrar (e provar) quando exige pagamento. Não há uma operação que eu pague que não venha discriminada nos meus extractos. Mas sobre as dívidas cujo pagamento hipoteca o futuro dos nossos filhos, não nos dão explicações.

Podem dizer-me que são transacções com histórias muito longas, que vêm de longe, que são coisas muito complexas, que não íamos perceber. Mas a verdade é que não existe absolutamente nenhuma razão para que esta informação não nos seja fornecida em todos os detalhes, actualizada e explicada, na Internet, onde toda a gente a possa consultar e auditar.

Podem dizer-me que tenho de confiar naquilo que me diz o Governo, o Banco de Portugal, o Tribunal de Contas. Mas o problema é esse. É que eu não confio.

Nem um bocadinho.

E penso que há uns milhões que também não confiam. É que todos sabemos que há vigaristas que se acoitam nos organismos do Estado, a começar pelo Governo, para servir interesses inconfessáveis. Podemos confiar no Banco de Portugal ou no Tribunal de Contas quando ambos se deixam enganar como anjinhos pelas declarações dos administradores do BCP e do BPN ou pelas contas das PPP? Alguém saberá alguma coisa verdadeira sobre a dívida? Na verdade, deveremos alguma coisa?

Vitor Malheiros "Público", 25 de Setembro de 2012  
Mário Rui

O independente


















“O ‘independente’ costuma esvoaçar à volta dos grandes grupos de interesses, dos lóbis universitários, do PSD e do PS. Verdade que não frequenta sessões de militantes, nem se candidata a cargos que o possam pôr em evidência pública. Prefere o género ‘encontro’, ‘simpósio’, ‘seminário’ ou conferência, onde se roça com assiduidade pela gente importante e, principalmente, pela gente séria e onde com o tempo (com pouco tempo) começa ele próprio a adquirir sem excessivo esforço a sua reputação de importante e sério. Não incomoda ninguém, não provoca ninguém, quase não se nota e é útil para encher uma cadeira ou fazer uma pergunta.

Mas não se imagina que o ‘independente’ escolhe ao acaso, como um pássaro tonto, os meios por onde circula e as relações que laboriosamente angaria. Sabe perfeitamente para onda sopra o vento: onde poisa o PS e onde poisa o PSD. Quem tende a ‘subir’ e quem tende a ‘descer’ e, portanto, para usar o termo pornográfico corrente, em quem deve ‘apostar’. Depois de uma eleição ou de uma remodelação, muitas vezes até ganha. Serve para tapar um ‘buraco’, para afastar um apoiante incómodo, para resolver com mansidão e ‘neutralidade’ uma querela entre dois ‘caciques’. A televisão e os jornais declaram o ‘independente’ uma ‘cara fresca’ e ele entra esfusiante pelo Estado dentro na completa ignorância do que sejam a administração e a sociedade portuguesa. Para, naturalmente, fugir dali a uns meses como um sendeiro triste, à procura de um novo dono.”

Vasco Pulido Valente, “Público”, 16-10-2011

Mário Rui