terça-feira, 31 de março de 2015

Simples servos da obsessão ou como se os outros simplesmente não existissem

 

Tecla o pai, tecla a mãe, os filhos teclam, os amigos teclam e todos acham que se relacionam neste trato coagulado fintando os prazeres do convívio que está à vista e dando primazia aos horrores da clausura electrónica. Expliquem-me lá que raio de afectos são estes, pessoais, familiares, sociais, emitidos por via insegura, congelados, inspirados por essa condição que é a de assimilar uma nova maneira de se ser homem assente numa enigmática fragilidade de laços humanos. Eu acho que a insegurança inspirada por esta nova e nefasta condição não vai trazer, a este mundo repleto de sinais muito desordenados, nada de bom. É o pai, a mãe, o filho, a família, a comunidade que, deligados, precisam de ligar-se? Mas que diabo, se há vínculos ausentes ou mesmo obsoletos não haverá porventura outro meio mais confortável, mais dedicado, de os restabelecer? Não se podem apertar laços sem que se lance mão dessa comunicação fragmentada e imperfeita que é a transmissão por tecla de sentimentos facilmente descartáveis? Então mas a actual família, a nova sociedade, já têm medo dos encontros próximos pois é uma ameaça que tal condição possa trazer encargos e quem sabe dissabores e vai daí os troquem por falas ambíguas, distantes e descomprometidas? Afinal, o co-fundador da Apple, Steve Jobs, também ele ambivalente criador de novidades que atraíram a atenção e o desejo dos consumidores de tecnologia de todo o mundo, lá terá percebido a razão pela qual disse um dia; “Porquê alistarmo-nos na Marinha se podemos ser piratas?” De facto, há infelizmente uma vida social que clama por uma boa quantidade de fingimento e é pena que muita da moderna tecnologia deixe abundante gente contente por a vida ser apenas uma coisa após outra e de preferência feita de teclas. E que saudades eu tenho de cordas sensíveis!

 

Mário Rui
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