terça-feira, 4 de setembro de 2012

«Laranja Mecânica», 41 anos depois.






“Laranja Mecânica”, a história do jovem que amava violência, sexo e Beethoven, 41 anos depois

Estreia em Portugal a 29/11/1974 – Cinemas Castil e Império – Lisboa

O filme «Laranja Mecânica», de Stanley Kubrick, comemora este ano o seu 41º aniversário. Ao tempo, a censura do Estado Novo não era “só” política. Tal como não podíamos beber Coca-Cola, por causa do condicionamento industrial, também nos era vedado ir ao cinema ver filmes como o “Último Tango em Paris”, certamente por causa da cena da manteiga.

Depois de uma ante-estreia nos EUA, em 19 de Dezembro de 1971, o filme faria a sua estreia comercial em Londres, logo no início de 1972, a 13 de Janeiro, quase quatro anos depois da estreia do último Kubrick, o também inesquecível “2001 Odisseia no Espaço”.

Ainda hoje recordo o porteiro da sala de cinema, figura sinistra que, antes de mais nada, nos pedia o bilhete de identidade para conferir a idade. Fosse o filme para maiores de 18 anos e tivéssemos nós um mês a menos e lá ia tudo por água abaixo. Filme, dinheiro e expectativas!

Apenas em Novembro de 1974, entretanto teve de ser feita uma revolução para o filme poder pisar solo lusitano, foi possível a sua estreia em Portugal. Fui vê-lo. Como tantos outros da minha idade, na altura todo aquele enredo nos pareceu demasiado confuso e violento. Saídos de um regime que tudo controlava e em que tudo nos era “oferecido com critério?”, a “Laranja Mecânica” surgiu mais tarde aos nossos olhos como algo que nos fez perceber o que era o filme e o quotidiano que nos rodeava.

Afinal retratava a violência de jovens delinquentes liderados por um egocêntrico, desequilibrado mental, um alucinado que despreza a lei, a sociedade, a família e a religião. O filme demonstra nitidamente a violência banalizada, não só a violência dos jovens, do uso das drogas, do sexo grupal, da insignificância pela vida humana, mas mostra também a violência da própria sociedade, da polícia. Do poder do governo através da ciência, querendo manipular a sociedade usando para isso experiências que anulam o próprio ser humano de pensar e agir por si próprio, de seus instintos naturais.

Tudo isto se passava em 71/74. Afinal tão igual aos dias de hoje. Que mente brilhante a de Stanley Kubrick! Já não está entre nós e os que se lhe seguiram também já não vão seguramente fazer obras com tanta profundidade.

Como éramos tão inocentes naquele tempo. E como chegámos a 2012, ao novo século, a pensar que sabemos tudo. Temos respostas para todos os desafios da vida. O problema é quando a vida vem e muda as perguntas!  

Mário Rui

Ah,! se tivéssemos mar ...


















Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) demonstram que o Pingo Doce (da Jerónimo Martins) e o Modelo Continente (do grupo Sonae) estão entre os maiores importadores portugueses." Porque é que estes dados não me causam admiração? Talvez porque, esta semana, tive a oportunidade de verificar que a zona de frescos dos supermercados parece uns jogos sem fronteiras de pescado e marisco. Uma ONU do ultra-congelado. Eu explico.

Por alto, vi: camarão do Equador, burrié da Irlanda, perca egípcia, sapateira de Madagáscar, polvo marroquino, berbigão das Fidji, abrótea do Haiti? Uma pessoa chega a sentir vergonha por haver marisco mais viajado que nós. Eu não tenho vontade de comer uma abrótea que veio do Haiti ou um berbigão que veio das exóticas Fidji. Para mim, tudo o que fica a mais de 2.000 quilómetros de casa é exótico. Eu sou curioso, tenho vontade de falar com o berbigão, tenho curiosidade de saber como é que é o país dele, se a água é quente, se tem irmãs, etc.

Vamos lá ver. Uma pessoa vai ao supermercado comprar duas cabeças de pescada, não tem de sentir que não conhece o mundo. Não é saudável ter inveja de uma gamba. Uma dona de casa vai fazer compras e fica a chorar junto do linguado de Cuba, porque se lembra que foi tão feliz na lua-de-mel em Havana e agora já nem a Badajoz vai. Não se faz. E é desagradável constatar que o tamboril (da Escócia) fez mais quilómetros para ali chegar que os que vamos fazer durante todo o ano. Há quem acabe por levar peixe-espada do Quénia só para ter alguém interessante e viajado lá em casa. Eu vi perca egípcia em Telheiras? fica estranho. Perca egípcia soa a Hercule Poirot e Morte no Nilo. A minha mãe olha para uma perca egípcia e esquece que está num supermercado e imagina-se no Museu do Cairo e esquece-se das compras. Fica ali a sonhar, no gelo, capaz de se constipar.

Deixei para o fim o polvo marroquino. É complicado pedir polvo marroquino, assim às claras. Eu não consigo perguntar: "tem polvo marroquino?", sem olhar à volta a ver se vem lá polícia. "Queria quinhentos de polvo marroquino" - tem de ser dito em voz mais baixa e rouca. Acabei por optar por robalo de Chernobyl para o almoço. Não há nada como umas coxinhas de robalo de Chernobyl.

Crónica de João Quadros no Negócio On-Line

Mário Rui