terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Pobres dos pobres...



Eu bem me esforço por dar à estampa uma ou outra crónica que fuja ao pessimismo e à descrença que nos habita há já bastante tempo. Leio, ouço, vejo, na tentativa de encontrar algo que possa servir-me de alimento para escrever umas linhas carregadas de tons mais alegres, mais esperançosas, quanto ao dia-a-dia do país. Creiam-me nessa busca incessante de retratar Portugal e os portugueses com alma alegre e coração feliz.

Mas o que hei-de eu fazer se, nesta demanda, só encontro o oposto do que pretendo. Será defeito meu, ou efectivamente no pé em que estamos só me aparecem ridicularias, imbecis actos, de gente que com muito mais responsabilidade pública que eu, insiste em fazer dos outros simples bobos da corte, ou pior ainda, acéfalos do reino.

Pois muito bem, como não se me atravessam no caminho histórias bonitas, vou contando com as tristes para fazer delas um pouco da estória que nos cerca. E esta versa o tema da velhice solitária, quantas vezes desrespeitada por alguns e, infelizmente, acarinhada por muito poucos. Não obstante tal, a estes últimos honra lhes seja feita. Quanto aos primeiros deixemo-los de lado. Não queremos ser parceiros deles.

Mesmo assim não resisto à tentação, que de resto sempre me atormenta, de vos contar o desprendimento de uma tal senhora dona Judite de Sousa, jornalista da TVI, quando numa recente reportagem se deu ao cuidado de visitar, para inglês ver, ou melhor para TV encher, duas velhinhas que vivem sós com as suas agruras. Pretendia a dita jornalista dar um ar sério quanto ao modo como estas pessoas idosas vivem na capital do Império. Lisboa, claro.

Às questões colocadas pela senhora dona Judite, lá iam respondendo as idosas: “aumentaram a luz; aumentaram a água; aumentaram o gás; subiram os remédios”, etc,etc. Outra senhoa idosa lá se dispôs também a mostrar o estado em que estava. Um pouco menos reinvidicativa, tinha alguma relutância em mostrar a saca de medicamentos que tinha de tomar diariamente e que lhe custavam os olhos da cara. O preço estava pela hora da morte e assim sendo lamentava-se da sorte que nunca lhe tinha batido à porta.

É claro que a senhora dona Judite, que até é professora de futuros jornalistas, mais não pretendeu que preencher espaço informativo, que não formativo, pois mais se assemelhava a alguém que parecia estar a falar com deficientes mentais. Mas não estava de facto. Lá levou a pequena reportagem até ao fim, por vezes dando ares de comoção pois assim convém quando se fala às massas e na presença de duas vidas traçadas com destino pesado e incerto.

As idosas vivem com menos que o salário mínimo para as suas despesas, o que de resto é transversal a muitas, mas mesmo muitas outras pessoas que morrem sem que ninguém dê por isso, tal é a necessidade básica de se alimentarem, de se curarem das suas maleitas, o que sempre significa penúria e falta do essencial para sobreviverem.

O que teria sido, em minha opinião, uma lança em África no que toca a esta reportagem, era a senhora jornalista ter perguntado às velhinhas se elas sabiam quanto ganhava por mês a senhora dona Judite de Sousa, quer na TV pública, quer agora na privada TVI. Poderia ter-lhes dito e perguntado o que pensavam as idosas disso. Certamente que iria ouvir o que deveria ouvir: que era uma vergonha...

E assim continua a ir um país que em vez de criar riqueza, vai criando ricos. Pobres dos pobres.

Mário Rui

A Esterilidade do Ódio



Dando de barato a minha eventual senilidade, sabe-se lá, quase me dá vontade de lhe juntar a minha dúvida existencial, e em particular a interrogação que me fica a propósito da minha sanidade mental. Estarei porventura a ser mesmo mau em relação à minha própria pessoa? Serão visões? Ou será que ainda raciocino?

Senão, reparem: ontem mesmo assisti num canal de televisão português, à hora nobre das notícias da noite, a uma verdadeira reportagem e, assim dita, digna de menção honrosa. Não importa quantos foram os minutos deitados ao lixo, leia-se dinheiro, para a levar por diante. Eventualmente isso até será de somenos importância.

A reportagem tratava então de dar a conhecer às crianças que frequentavam uma escola, o significado da “Não-Violência”, do Dia Escolar da Paz. Pois bem, para tal efeméride nada melhor que pedir ás meninas e meninos que trouxessem de casa umas quantas almofadas e, vai daí, alinhado que estava o exército, comece-se a guerra. Almofadada daqui, almofadada dali, óculos de alguns pais partidos, julgo que estes seriam a retaguarda dos exércitos beligerantes, e assim se ia desenrolando a luta.

Interrogados alguns professores sobre a utilidade de mais um momento didáctico para os alunos, só consegui ouvir vacuidades e nenhuma ideia com substância que minimamente fosse capaz de explicar tão estúpida actividade. Os miúdos, esses, coitados, quando questionados sobre o evento pouco ou quase nada adiantaram. É que eu acho que nem eles próprios sabiam bem o que estavam a comemorar quanto mais da importância, repito, de tão cretino acto de recreio bélico que encarnavam.

Agora digam-me lá se de facto estou a ver mal o assunto. Então mas isto é pedagogia infantil? É para incitar à guerra, por muito aveludada que seja, será então para dotar os meninos de instintos guerreiros, ou tudo isto não passará só da tristeza que é o ensino, a vários níveis, em Portugal.

Será que na mente destes professores não há lugar para mais imaginação senão a deste exemplo. Será que actividade escolar com tal conteúdo, vazio, não fomenta o ódio em vez do diálogo, da compreensão das coisas boas passíveis de serem feitas em prol dum mundo mais fraterno. Ou, olhem, sentar os meninos nas carteiras e deixar que lessem Eça de Queirós, que exercitassem a mente e o espírito. Tenho quase a certeza que aos alunos faria bem e a certeza absoluta que aos professores faria ainda melhor. O problema da escola portuguesa é que ninguém pode ensinar aquilo que não sabe.

Mas já que falei em Eça, ao menos, professores, leiam este pedacinho escrito pela sua pena. Depois, se a tanto vos ajudar a arte e o engenho expliquem aos meninos o que este pensamento significa:

«O ódio é um sentimento negativo que nada cria e tudo esteriliza: - e, quem a ele se abandona, bem depressa vê consumidas na inércia as forças e as faculdades que a Natureza lhe dera para a acção. O ódio, quando impotente, não tendo outro objecto directo e nem outra esperança senão o seu próprio desenvolvimento - é uma forma da ociosidade. É uma ociosidade sinistra, lívida, que se encolhe a um canto, na treva. (...) Mas que esse sentimento seja secundário na vasta obra que temos diante de nós, agora que acordamos - e não essencial, ou supremo e tão absorvente que só ele ocupe a nossa vida, e se substitua à própria obra.
Mário Rui