segunda-feira, 23 de março de 2015

Imperativos categóricos

 
 
Gostaria de não ser tido, pelos outros, como alguém que só vislumbra fantasmas na própria sombra, alguém que só vê coisas erradas a partir da minha própria consciência. Gostaria pois que assim fosse já que, podem estar certos os meus amigos, ler equações ao contrário nunca foi o meu forte, daí que nunca me tenha dado para reduzir o realismo a meras imagens fictícias mas, ao invés, continuar a crer que tudo o que me resta é o mundo tal como o experimento. Vem isto a propósito do que aconteceu há dias na estrada que liga a vila da Torreira a S. Jacinto-Aveiro, troço que assistiu a mais uma tragédia quando um automóvel e ocupantes foram engolidos pela Ria de Aveiro.  Bem sei que o acidente está sempre à espera duma oportunidade, ainda que algo seja feito na esperança de o evitar, mas também sei que muitos conhecedores dos riscos que qualquer estrada comporta, e nomeadamente o troço antes referido, olharão mais intensamente para as coisas que fazem o ego gordo e grande do que propriamente para os amparos que deveríamos ter para guiarmos a nossa jornada. E é esse ego egoísta que não deixa aguçar a atenção aos pormenores cruciais. Assim vista a coisa, de bom grado trocaria rotundas incansáveis, mecos fosforescentes sem fim, centenas de postes de iluminação que nunca deram luz, pistas cicláveis delirantes e excessivas, pegadas elefantinas de outros devaneios, tudo isso eu trocaria por mais uns quilómetros de resguardos que preservassem a nossa existência, acautelando assim, ou evitando mesmo, os golpes da vida. E se poupassem uma só vida que fosse, já ficaria contente por não se tratar de vã pretensão e feliz estaria com a consciência dos que procedem bem, desprezando assim toda a “assistência” dos objectos supérfluos em lugar dos que fazem verdadeiramente falta. Essa é que deveria ser a voz do orgulho e em estrada de vida que há tantas décadas reclama mais protecção - amigos tive, já no século passado, que por lá ficaram suspensos ante o precipício -  suprimentos destes reduziriam de certeza o virtual à insignificância que o caracteriza. Mas enfim, enquanto o ‘progresso’ se confundir com a feira das vaidades, vai ser difícil perseguir atinadas transformações.

 

Mário Rui
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