sábado, 5 de maio de 2012

Jerónimo e o Pingo


















Já muito se disse a propósito da tal misericordiosa campanha de redução de preços do Pingo Doce. O dia escolhido também foi muito simpático e, não sendo eu de esquerda complexada nem de direita fantasiada, acho mesmo que o Sr. Jerónimo Martins bem podia ir às malvas com a sua campanha de marketing ou, é o mais certo, com o seu ressabiado acto político. Bom, mas apesar de muito se ter dito, muito mais há para dizer. No futuro. Até a Assembleia da República discute o assunto, qual importância crucial para o desenvolvimento do País. O que proponho é que a senhora que preside a esta casa, convoque desde logo o país para uma manifestação cruel, dura, que abomine a opinião de quem ache que isto não é assunto para os ilustres deputados que decidem da vida de Portugal. Isso sim, seria de mulher de armas. E nós lá estaríamos todos. Desde logo para lhe perguntarmos como é que conseguiu reformar-se, com chorudo vencimento, ao fim de dez anos de carreira. Depois aproveitaríamos para a questionar sobre o "carreiro" que trilhou para lá chegar. Mas deixemos isso por agora. Voltando então ao "Pingo" do Jerónimo - ainda não se sabe se o codinome tem relação com o nome do famoso índio guerreiro - a redução de 50% que ofertou ao povinho foi 'mesmo boa'. Agora é chegada a altura de agradecer a esse mesmo sereno povinho. Sabe porquê?  É que não fosse o povo calmo, sossegado e sensato, a redução bem poderia ter sido de 100%! Não foi, mas também duvido que faça nova campanha do tipo, nos anos mais próximos.

Mário Rui

Não há longe nem distância…















Ao João:

Erámos três e passámos cinco dias em Manchester sob o pretexto da visita a um amigo de longa data que por lá se encontra agora a trabalhar. Tenho pena de não terem sido mais dias. Gostei do estilo de vida e do espírito próprio de quem se vê num país diferente.

Aterrámos na sexta-feira com uma grande recepção – quatro inglesas semi-nuas e quatro latas de cerveja à socapa porque não se pode beber na rua. Só os portugueses podem… Jantámos num dos mais espectaculares restaurantes de que tenho memória e por essa razão passámos o resto dos dias a almoçar no Mac.

Os pubs são a melhor coisinha que aqueles gajos inventaram. Lá não há mais do que um convívio saudável e um espírito propício à camaradagem e a novos amigos…e amigas. Os verdadeiros portugueses – nós – conquistaram de imediato o dono do melhor pub da cidade que nos ofereceu umas quantas rodadas e conhecemos também uma série de miúdas que, pelo aspecto, se assemelhavam às cervejas: rodadas.

A cidade é limpa e organizada, as pessoas simpáticas e eu apaixonava-me de 3 em 3 metros. E tenho a certeza que, por esta última razão, viemos os três mais infelizes para Portugal. Tivemos até a sorte de encontrar um restaurante que não precisava sequer de nenhuma indicação para percebermos que era português. Tinha aberto falência…

Visitámos Old Trafford e tivemos oportunidade de assistir, no penúltimo dia, a um Manchester City – Manchester United. E Deus me livre se eu achava que havia rivalidade entre Porto e Benfica. É para meninos, amigos…

Tivemos oportunidade também de conhecer pessoas e lugares fantásticos, de reforçar a amizade que nos une e de perceber que, cá em Portugal, continuamos vergonhosamente a ser explorados e privados de muitos dos nossos direitos que víamos plenamente gozados lá.

Ainda assim, posso falar por todos quando digo que não há longe nem distância que consiga separar as grandes amizades. E é esta a maior lição que o João me tem ensinado.

Rui André

Vão para o raio que os parta


















Não os posso ouvir falar do povo. Do povo que eles dizem ignorante, boçal e pouco culto. Vão para o raio que os parta. Levaram o século XX a sonhar com aquilo que o povo devia fazer. Se fosse culto, se fosse educado, se fosse qualquer coisa que passava inevitavelmente por ser o que eles queriam. Eles mandaram o povo ser monárquico e depois republicano. Depois começaram a lutar entre si e escavacaram ainda mais a vida do povo. Levaram anos e anos em golpes e contra golpes que acabavam inevitavelmente com eles a abraçarem-se uns aos aos outros e a gritar Viva a República. O país empobrecia e o povo emigrava e eles achavam que o povo devia ficar a labutar nas suas courelas para ajudar o país. Das Europas e das Américas o povo mandava remessas que equilibravam as contas do país mas eles tinham vergonha desse povo emigrante que eles diziam e dizem não percebe nada de política e cometeu o pecado capital de querer viver melhor pelos seus meios e não graças à aplicação do decálogo do momento das élites do seu país. O povo ia rezar a Fátima e eles tremiam de horror porque o povo não devia rezar. Ou não devia rezar ali mas sim ficar a reflectir nos seus centros católicos sobre a superioridade moral das encíclicas papais. Eles mandaram os filhos do povo para a Flandres e para África e depois disseram-lhes que tudo tinha sido um engano. O povo pegou nas coisas e apenas deixou por essas terras os cadáveres dos filhos do povo que por lá tinham morrido. Quando chegaram encontraram no poder a maior parte daqueles que anos e meses antes lhes falavam de dever e da pátria. A única diferença entre o momento da partida e o da chegada é que os militares tinham sido promovidos. O povo quis televisão e praia e eles ficaram horrorizados com a falta de tipicismo das aldeias e quiseram banir o turismo de massas. O povo trocou as feiras pelos supermercados e eles que antes não suportavam as romarias populares passaram a defender os tempos em que o povo trocava galinhas por tecidos na feira da vila. O povo sentou-se à mesa dos restaurantes e eles quiseram proibir as cadeias de comida barata enquanto enfastiados se abasteciam nas lojas gourmet. O povo não larga o carro e eles sentados nos seus topos de gama e nas suas bicicletas que custam uma fortuna desataram a diabolizar o automóvel e anunciaram o fim do mundo como resultado das alterações climáticas. Eles quiseram que fossemos um estado corporativo e o povo viveu com os grémios. Depois os grémios passaram a cooperativas e o povo continuou a suportar-lhe os regulamentos. Eles disseram que o país estava orgulhosamente só e depois, às vezes os mesmos, garantiram-lhe que estava orgulhosamente acompanhado e que o povo se devia orgulhar por isso. E o povo orgulhou-se. Do Estado Novo ao socialismo à portuguesa do PREC eles disseram ao povo que Portugal era uma excepção e o povo suportou os custos dessa excepcionalidade. Eles disseram que lhes deram casas – quem as terá pago? – através duma fundação chamada Salazar em bairros que depois passaram a ser 25 de Abril e o povo continuou a bater palmas aos senhores que diziam que lhes davam casas. E eles contentes diziam que ainda iam dar mais. Volta e meia dizem ao povo que o país está em crise. Nunca por culpa deles mas sim por culpa do mundo e sobretudo por culpa do povo. Que trabalha pouco, gasta muito, é pouco culto e não tem formação. E o povo a quem apresentaram como uma conquista sua a legislação laboral, a quem disseram que poupar era coisa do passado e que paga e frequenta obrigatoriamente uma escola que o deveria fazer mais culto cerra os dentes e dispõe-se a trabalhar mais, ganhar menos, pagar mais impostos e fazer mais um sacrifício em nome do país. E todos os dias mas todos sem excepção lá estão eles a dizer mal do povo. Porque o povo não faz a revolução. Porque o povo ri. Porque o povo é alienado. Porque o povo quer comprar mais e pagar menos. Porque o povo… Não acredito na bondade natural do povo mas tenho a certeza que a nossa vida teria sido bem pior caso o povo tivesse cumprido os sonhos das suas élites.

Artigo de Helena F. Matos in 'Blasfémias'

Mário Rui