quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Manifestações



Um grupo de jovens angolanos está a convocar para o próximo sábado, dia 3 de Setembro uma manifestação em Luanda a pedir a "retirada do Presidente Eduardo dos Santos do Poder e do seu Executivo" e a eleição directa do Presidente da República, entre outras medidas.

Eu acho que se o caudal do descontentamento engrossa, não se augura grande coisa... ...

Mário Rui

Uma carta à esquerda americana

Nada causou impressão mais duradoura durante minha viagem à América do que o estado semicomatoso no qual encontrei a esquerda americana.

Sei, é claro, que o termo "esquerda" aqui não tem o mesmo sentido e ramificações que tem na França.

E não sou capaz de contar quantas vezes já me disseram que nunca houve uma "esquerda" autêntica nos Estados Unidos, no sentido europeu.

Mas no fim do dia, meu amigos progressistas, vocês podem cunhar ideias da maneira que quiserem. O fato é: Vocês têm uma direita. Essa direita, em grande parte graças ao seu batalhão neoconservador, trouxe uma transformação que é substancial e alarmante.

E o facto é que nada remotamente como isso tomou forma no outro lado -- ao contrário, através do espelho da "esquerda" americana repousa um deserto de sortes, um silêncio ensurdecedor, um vazio ideológico cósmico que, para um leitor de Whitman ou Thoreau, é completamente enigmático. Os "jovens" democratas sessentões que se apegaram às velhas fórmulas da era Kennedy, as pessoas de MoveOn.org que foram tão boas em registar eleitores, em protestar contra a guerra no Iraque e, finalmente, em ajudar a revitalizar a política mas de quem ouvi tratar, em Berkeley, como puritanos de um novo tipo, dos lapsos de um presidente libertino como quase-equivalentes ao neomccarthysmo dos seus maiores rivais políticos; os estrategistas anti-republicanos confessando que nunca pisaram em uma destas megaigrejas neo-evangélicas que são os mais avançados (e mais maquiavélicos) laboratórios do "inimigo," olhando-me com descrença quando disse que ocupei um bom tempo explorando-as; o ex-candidato Kerry, que encontrei em Washington algumas semanas após sua derrota, pálido, fantasmagórico, debilmente cochichando no meu ouvido: "Se você ouvir alguma coisa sobre aqueles 50 mil votos em Ohio, me avisa;" os partidários da senadora Hillary Clinton que, quando questionei exactamente como eles planejavam empreender a batalha de ideias, casualmente responderam que tinham que vencer primeiro a batalha do dinheiro, e que, quando persisti em perguntar para que o dinheiro serviria, que projectos ele iria abastecer, responderam como autómatos angariadores enlouquecidos: "Para levantar mais dinheiro;" e quando, talvez mais do que tudo, quando fui ao sangue vital da esquerda, os escritores e artistas, os homens e mulheres que modelam a opinião pública, os intelectuais -- encontrei uma falta de vida curiosa, um traço peculiar de timidez ou irritabilidade, quando confrontados com tantas questões fervilhantes que em princípio devem mantê-los tão firmemente mobilizados, como a Guerra do Iraque e o assim chamado "Império Americano" (a denúncia do qual é, infelizmente, tudo o que resta quando eles não tem nada mais a dizer).

Para um observador de fora é estranho, por sinal, que vários progressistas precisaram, como eles mesmos admitiram, esperar pelo Furacão Katrina antes de se indignarem com, ou mesmo de serem informados sobre, a completa escala de pobreza arruinando as cidades americanas.

Para um intelectual europeu acostumado com o campo de batalha das ideias, é simplesmente incompreensível que mais vozes não tenham se levantado no passado, em nome de não menos que a força "do Esclarecimento," para denunciar a fraude ridícula dos defensores antidarwinianos do "desenho inteligente."

E o que dizer da pena de morte? Como pode ser que ainda não haja, dentro dos partidos políticos, especialmente no Partido Democrata -- o qual todo o mundo sabe que nunca sairá do lugar sem pressão interna decisiva -- uma corrente de opinião reclamando a abolição dessa barbárie civilizada?

E Guantánamo? E Abu Ghraib? E as prisões especiais na Europa Central, aquelas áreas nas quais a força da lei não mais se aplica? Sei, é claro, que a imprensa as denunciou. Sei que vocês tem jornalistas que, em questão de dias, realizaram o que nossa imprensa francesa ainda não concluiu, quarenta anos após a Guerra da Argélia. Mas desde quando a imprensa exime os cidadãos dos seus deveres políticos? Por que não ouvimos de mais intelectuais como Susan Sontag -- ou mesmo Gore Vidal e Tony Kushner (de quem discordo na maioria dos outros assuntos) sobre tal questão vexatória e vital? E que devemos fazer do punhado de indivíduos que, após 11 de Setembro, lançaram o debate sobre as circunstâncias a tortura pode estar repentinamente justificada?

E não estou nem mesmo falando sobre Bush. Nem menciono as mentiras grosseiras de Bush sobre as armas iraquianas de destruição em massa, excepto com o fim de apresentar a evidência conclusiva. Sei, é claro, que vocês o denunciam -- mas mecanicamente, estou quase tentado a dizer ritualisticamente. E, contudo, os Estados Unidos quase impediram Nixon porque ele espionou seus inimigos e mentiu. Eles [quase] impediram Clinton por causa de uma mentira perdoável sobre conduta inapropriada. Como pode ser, então, que se leve tanto tempo para desenhar um paralelo entre essas mentiras e uma mentira sobre a qual o mínimo que se pode dizer é que suas consequências são tudo menos perdoáveis? Como pode ser que tão poucos "intelectuais públicos" possam ser encontrados, no interior dos limites desta formidável, impetuosa democracia americana, que possam lançar a ideia de impedir George Bush por mentir?

Alguns responderão que o "intelectual público" é uma especialidade europeia, que não devemos culpar os americanos pela infidelidade a uma tradição que não é a deles. O que esses desmancha-prazeres fazem com o Norman Mailer dos anos 60? Do Arthur Miller de The Crucible? Ou daquela idade do ouro da consciência dos direitos civis, quando grandes escritores enunciaram o que era certo e bom e verdadeiro?

Outros objectarão que a mobilização massiva e retumbante da sociedade civil não é um costume americano. Tudo o que você precisa para convencer-se da falsidade disso é lembrar dos anos 60 e do movimento pelos direitos civis, depois pelos direitos das minorias em geral, os quais eram a grande honra do país e fluíram, é preciso enfatizar, de todos os principais partidos políticos.

Há ainda os que ironizam sobre a doença de escrever petições, uma especialidade francesa afastada pelo pragmatismo americano. Aqui a objecção é mais séria; e eu sei da fatuidade que pode existir na mania do engajamento ininterrupto em nome de um miríade de causas -- mas vocês não se afligem, meus amigos americanos, com a doença radicalmente oposta? A ética da sobriedade não venceu muito frequentemente, entre vocês, sobre a ética da convicção? E como pode alguém não esperar por uma petição que se dirija à nossa náusea comum quando estamos ante o espectáculo de um velho diabético, cego, quase surdo, empurrado na sua cadeira de rodas à câmara de execução de San Quentin, na Califórnia?

Posso estar enganado, mas me parece que uma grande parte do país está esperando por isso. Em todo o lugar, no recôndito da América, você pode encontrar homens e mulheres que esperam por grandes vozes capazes de ecoar sua impaciência de maneira significativa. Se eu fosse um escritor americano, tentaria reflectir sobre as lições do século totalitário e sobre aquelas da democracia, no estilo de Tocqueville, tudo de uma vez, de um só fôlego, com o mesmo rigor.

Bernard-Henry Lévy

Reportagem sim, mas com maneiras



Também já estávamos cansados de ver o José Rodrigues dos Santos de capacete e colete à prova de balas, no deserto, a fazer reportagens. Ora vejam lá se o Sr. Bernard-Henry Levy não se esmerou e só lá vai de fato. Um homem não pode perder de vista o seu próprio aspecto. Quer chovam balas, obuses, granadas ou apenas o pó do deserto, a compostura é muito bonita... É que o Sr. BHL teve uma educação esmerada num colégio da Suiça.

Mário Rui