quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Das longas viagens




O jornal i dá hoje conta da visita de José Sócrates à sua sempre fiel amiga Frau Angela Merkl. O (re)encontro terá acontecido na passada sexta-feira, dia 26 de Agosto e, até aqui, concedamos aos dois, apesar de tal jornada me causar uma certa estranheza, o benefício da dúvida quanto a tão amigável viagem e seu propósito. O que não deixa de ser curioso é o facto deste trivial abraço de amizade ter acontecido uma semana antes de Passos Coelho aterrar em Berlim para também se encontrar com a dita senhora.

Mas as viagens de Sócratess não ficaram por aqui. Dias antes, este diplomata freelancer, aterrou em Madrid, de novo antecipando-se a Passos Coelho para mais um amigável encontro privado com o seu melhor “amigo político” Zapatero. Fonte oficial de Moncloa confirmou a visita mas sem dar nota do dia em que terá ocorrido. Tudo se terá passado em nome da ibérica irmandade, digo eu.

Antes de continuar devo dizer que, logo aqui, ressalta também uma péssima nota para o jornalismo português já que, tão inesperadas viagens, deveriam ter sido objecto de aprofundado tratamento. Não foram. E teria sido importante dar a conhecer aos portugueses o que anda Sócrates a confidenciar a estes dois governantes.

E digo confidenciar porque, tanto quanto me parece, não se viaja para o longínquo com o simples propósito de tomar um chá. Se se tratasse de dar um aperto de mão a David Cameron, enfim, podia ter a ver com o tradicional chá das cinco ou com uma partida de pólo, sabe-se lá. Se em vez de Sócrates, este périplo tivesse sido feito por António Seguro, eu compreenderia da necessidade de se estar seguro nos mais importantes centros de decisão da dita Europa comunitária.

Mas não. Quem abalou para essas paragens foi um ex-primeiro ministro de Portugal e, não o querendo criticar pelo facto de viajar tanto, acho que pode e se calhar até deve, correr mais mundo e conhecer novas oportunidades, novas amizades, apesar do pouco sentido de fair play político, e quem sabe pessoal, que patenteou durante a sua governação.

Perguntarão certamente os meus amigos leitores o que tenho eu a ver com estas idas e vindas de tão popular político. Pois bem. Muito pouco, se de facto estivéssemos a falar de um qualquer anónimo político dos muitos que temos. Mas não. Como antes referi, estamos a falar em torno de uma figura que esteve à frente de um Governo vários anos e que, é a minha opinião, conseguiu a proeza de governar pior que o pior governo de que tenho memória desde 1974. Até Santana Lopes, o tal que foi despedido por Jorge Sampaio e sem que ainda hoje me tenham convencido a despeito de tal “despedimento” – afinal há muito político que governa sem que alguma vez se tenha submetido ao escrutínio popular - até ele foi capaz de fazer um pouquinho melhor que Sócrates.

E aqui chegados, os que habitualmente passam os olhos pelas minhas crónicas, terão já compreendido que me é completamente indiferente ter à frente do meu País um governo de esquerda, de direita, de centro-esquerda, de centro direita ou seja lá de que área for. Tempo houve em que isso me preocupou. Hoje, borrifo-me simplesmente para todas essas tendências com que alguns quiseram marcar, a ferro e fogo, a diferença, entre movimentos, partidos políticos, associações partidárias e o mais que quiserem.

A mim, o que me preocupa é a fragilidade dos valores, a má consciência que pode alterar o estado de espírito de quem perde neste jogo da política. Importa, isso sim, conhecer bem os parceiros da caminhada e, sendo eles confiáveis, ajudá-los no objectivo a atingir. É com esse ímpeto que politicamente me movo.

E digo-vos mais: mesmo aqueles que em termos políticos invariavelmente considerei hostis à minha filosofia de vida, sempre achei que a maior distinção que nos pode conferir o destino, é deixar-nos combater um certo tempo do lado dos nossos adversários. Tão-só porque assim nos predestina a uma grande vitória.

Exposta a coisa deste modo, e voltando às viagens de José Sócrates, só espero e quero acreditar que este ex-governante não ande a tramar coisas pelas costas de quem foi eleito e tem legitimidade para o fazer. E mais. Também quero crer que os líderes que o receberam, não andem, eles próprios, a dar cobertura a tais atitudes. Era só o que nos faltava para, então sim, desistirmos de vez desta utópica e inatingível Europa comunitária.

Eu sei lá. Na política já vi tanta coisa surrealista, e como o ódio é um sentimento negativo que nada cria e tudo esteriliza, sempre é melhor desconfiar do que não entendemos, pelo menos até que percebamos o significado de alguns actos.

Como disse Camões: “ qualquer fraco rei, faz fraca a forte gente”. E a forte gente somos nós e já tivemos fraco rei por tempo suficiente para aprendermos a destilar doçura sobre as amarguras que nos criaram.

Mário Rui