sábado, 5 de novembro de 2011

" O Jornal "



Não é tanto pelo recado que o Presidente deixa na capa, mas antes por considerar ter sido este velhinho jornal o que mais marcou a minha fase de adolescente e jovem. Certamente que não será hoje o que era para mim há cerca de 40/45 anos, mas a verdade é que, por essa época, era um periódico de referência. Vicissitudes de ordem vária terão feito dele um jornal com menos leitores, mas nem por isso menos respeitado no que a mim me toca. Como companheiro diário, quantas vezes o esperei arremessado pelo ardina por cima do muro de minha casa, quantas vezes o folheei na ânsia de saber das novas que iam marcando o país e o mundo.

Aberto no corredor da minha habitação, umas vezes lia-o deitado no chão, outras em cima da mesa ou ao sol que se fixava docemente no quintal, foi através dele que encontrei determinadas características que, como pessoa, ainda hoje preservo e me marcaram indelevelmente. Às vezes aprendia mais nas suas linhas escritas do que nos próprios manuais escolares. Numa espécie de peregrinação das muitas morais e muitas outras consciências impuras que necessariamente lá vinham escritas, era o mundo de antanho, deleitava-me a sua leitura. Nem que de uma leitura mais fugidía se tratasse.

Não me recordo exactamente do nome dos bons articulistas que davam forma e conteúdo ao que lá vinha expresso, mas tenho bem presente o modo como este jornal me ensinou a perceber o que era a guerra colonial portuguesa, a luta da França na Argélia, o pensamento dos grandes líderes mundiais de então, o que significava a América e as suas fratricidas guerras travadas no Vietname, o que diferenciava monarquia e república, o que para nós portugueses de cá queria dizer emigração e dificuldades vividas com esse êxodo. Li e apreendi o pensamento de Charles de Gaulle, muitas vezes me pareceu ser John F. Kennedy o homem certo para um mundo que na altura já se revelava algo confuso e frio, e do qual o meu avô materno me falava, ele que chegado dessa América promissora me ajudava a melhor compreender essas leituras. Baía dos Porcos (conhecida como La Batalla de Girón em Cuba), a crise dos mísseis cubanos e Nikita Krutchev.

Enfim, estaria aqui horas a falar do "Primeiro de Janeiro", não porque me pareça que a outros tal assunto interesse mas sobretudo porque a memória é coisa que, tanto quanto nos for possível, deve ser mantida e às vezes relembrada. E é curioso porque se a leitura diária deste jornal me deu muitos prazeres - dispenso por agora falar sobre os descontentamentos que algumas notícias naturalmente me causavam - também é justo que faça jus à memória de um pequenino livro que minha avó paterna me ofereceu, aí pelos meus seis anos, e que se chamava "A vida de Thomas Alva Edison". Não é minha intenção dar ares de erudito precoce, porque nunca o fui, mas apenas falar-vos um pouco, como atrás já disse, do que preencheu a minha meninice, adolescência e juventude, quanto ao que se escrevia e publicava nessas épocas. Sou o que sou, e por vezes ouço dizer que a necessidade cria a coisa mas eu acho que , na maior parte das vezes, é a coisa que cria a necessidade.

Agradeço pois ao jornal e ao inventor que citei, o facto de me terem ensinado que a decisão cristã de por vezes achar o mundo feio e mau, não corresponder verdadeiramente a um mundo feio e mau. Já não podemos argumentar desse modo.


Mário Rui

Arte



Porque afinal a arte humaniza-nos!

Mário Rui