sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Abanões



















Li, ou ouvi, ou terei sonhado, também não importa, que a tragédia ocorrida a 1 de Novembro de 1755, por volta das 9:30 da manhã, quando Lisboa foi atingida por um violento terramoto, não terá trazido muitos ensinamentos em termos de prevenção e regulamentação que viesse a melhorar a segurança do edificado da cidade. O mesmo é dizer que, a acontecer situação idêntica, o mais certo é que, segundo o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, um previsível terramoto venha a matar entre 17 mil e 27 mil pessoas, mas essa estimativa peca por defeito. São acidentes naturais, difíceis de prever e que sempre deixam pouca margem de controlo, especialmente quando já em presença dos mesmos. Em 1755 assim foi e, dado o desconhecimento das técnicas mais seguras para fazer frente a uma catástrofe deste tipo, o resultado foi trágico. Estima-se que terão morrido cerca de 60 000 pessoas. Dizem que passado o terramoto, o Rei terá perguntado ao Marquês de Pombal o que se havia de fazer. Terá respondido ao monarca; «... sepultar os mortos, cuidar dos vivos e fechar os portos». Facilmente se percebe o que queria dizer o Marquês. Sepultar os que se finaram e cuidar dos que ficaram, era o mínimo que se podia fazer. Quanto a ‘fechar os portos’, a expressão só significaria que não seria prudente deixar as ‘portas’ abertas para que novos problemas viessem a surgir ou ‘vir de fora’, enquanto estivessem a cuidar e a salvar o que restava de tão funesto acontecimento. Teria certamente o Marquês em mente que a prioridade era a reconstrução e o novo. Volvidos 257 anos, e a julgar pelo que dizem os entendidos, muito pouco se quis fazer, e sublinho “se quis fazer”, uma vez que os dados disponíveis assim o demonstram. Em Julho de 2010 todos os partidos votaram, por unanimidade, uma recomendação ao governo, para que se criasse com urgência um plano nacional com vários pontos decisivos: redução da vulnerabilidade sísmica das infra-estruturas hospitalares, escolares, industriais, governamentais, de transportes, energia, património histórico e zonas históricas dos núcleos urbanos. A resolução recomendava ainda ao governo o reforço do controlo da qualidade dos edifícios novos e a obrigatoriedade de segurança estrutural anti-sísmica nos programas de reabilitação urbana. Mais de dois anos depois, o(s) governo(s) não fez nada: limitou-se a propor um modelo de seguros, para indemnizar os prejuízos materiais dos sismos. Estou plenamente convencido que será medida ainda pior que o próprio sismo. Pelo menos para os atingidos pelo mesmo. Para outros, como de costume, ouro sobre azul! A Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica, num parecer enviado ao parlamento, reagiu com indignação: «A opção do governo é ineficiente, eticamente condenável porque não se preocupa com a salvaguarda da vida humana e contraria a resolução da Assembleia da República». Eticamente reprovável. Leram bem? Mas afinal haverá alguma cousa eticamente louvável que assista a esta gente? Toda ela sem distinção, digo eu. Pouca, muita pouca coisa!

Redução da vulnerabilidade sísmica das infra-estruturas hospitalares, escolares, industriais, de transportes, energia, património histórico, zonas históricas dos núcleos urbanos, etc, etc, etc, não conta para nada. O reforço do controlo da qualidade dos edifícios novos e a obrigatoriedade de segurança estrutural anti-sísmica nos programas de reabilitação urbana, também não convém. O que convinha mesmo, e foi feita, era a obra de reforço anti-sísmico do edifício da Assembleia da República. Quando o sismo chegar, esta espécie humana e em número apreciável, que habita a casa, há-de vingar em detrimento dos médicos nos hospitais, dos professores e dos alunos nas escolas, das forças de segurança, dos meios de socorro e por aí fora. Até em presença de aspectos que parecem ser de somenos importância – parecem mas não são - , quando valiosos para gente do calibre da maioria dos nossos políticos, até nisso esses espíritos metódicos e calculistas são ordinariamente os menos solidários e respeitadores da condição humana dos outros. Dá que pensar, não? A mediocridade é o elemento mais saliente desta gente. A acontecer uma tragédia sísmica, e rezemos para que nunca apareça , os moradores da AR ficariam para reconciliarem os mortos, para tratarem das montanhas e serras que dão abrigo aos vales. Eu duvido muito é que tal estado de coisas viesse a renascer das cinzas e se renovasse pela morte. De tantos portugueses úteis . E também já não se “fazem” reconstrutores do tipo Marquês de Pombal. Agora já só há imitadores! E péssimos.

Mário Rui