domingo, 4 de dezembro de 2011

Os outros beijos



Estou-me perfeitamente borrifando para a nova campanha publicitária da marca Benetton. Sei que a mesma causou grande alarido entre as gentes mais púdicas e inevitavelmente no seio da Igreja Católica. Ainda assim, percebo que as gentes mais púdicas manifestem sempre alguma resistência quando uma águia sonda os píncaros mais altos na tentativa de descobrir novos mundos, novas formas de pensar e de viver. O contrário se passará com a igreja católica para quem esta ofensa ao Papa não fará qualquer sentido, especialmente numa sociedade de consumo, que mais não pretende – Benetton incluída – senão vender o seu produto à custa de uma campanha que, mesmo borrifando-me eu para ela, não me agradou por aí além. Não será seguramente com este marketing que irei comprar mais uma camisola, ou o que for, da dita marca.

Será que postos os dados deste modo, estaremos em presença do velho problema teológico da fé e do saber ou, mais claramente, do instinto e da razão? Seria assunto para dissecar longamente, mas não é isso que me move por agora.
O que por agora me leva a mais um escrito tem a ver com a leitura de um artigo dado à estampa pelo jornal Público, e curiosamente assinado por uma senhora que, em anterior crónica, jurei não mais ler. Penitencio-me pelo facto de não poder cumprir tal promessa, mas a verdade é que os laboriosos sempre tiveram dificuldade em suportar a ociosidade e então vai daí e cá estou para subjectivamente tentar avaliar se o instinto merece ou não mais autoridade que a razão.

Então regressemos a essa tal senhora que escreve aos sábados nesse jornal, de seu nome São José Almeida. Antes mesmo de continuar parece-me que em resultado do que escreveu, melhor seria tirar do seu nome o São José, dada a fortíssima conotação católica-apostólica e romana que tal representa. Bom, mas isso será lá com ela. Como sempre digo, eu só opino.

Diz ela que « a reacção do Vaticano é de intolerância e de uma inacreditável ignorância em relação às simbologias de poder e à história» e «também porque passou para a opinião pública a imagem de que o que estava em causa na campanha seria a erotização da casta imagem de um líder religioso, resvalando aqui na mais opressora homofobia ». Esta senhora está a misturar a “simbologia do poder” com uma milenar cultura europeia, e tenta explicar-nos este fenómeno com a ocorrência, essa sim histórica e estúpida, do beijo na boca dado por dois verdadeiros poderosos socialistas do ex-bloco soviético. Era o folclore de antanho. Veja-se no que deram esses poderes beijoqueiros e essa tradição tão irmanmente unida.

Depois, quando afirma que a reacção do Vaticano procurou passar para a opinião pública uma campanha de erotização da casta imagem de um líder religioso, resvalando aqui na mais opressora homofobia, está laborando em mais um erro de apreciação dos muitos que tem cometido ao longo dos seus variados artigos a despropósito de tudo e de todos. Esta ideia básica, primária sobre a ignorância do Papa ou do Vaticano, além de enfermar de uma grande estupidez, também revela mais de quem a diz do que de quem quer atingir. Digamos que “opressora homofobia” por parte da igreja até parece uma acusação à boa maneira inquisitorial ou mesmo estalinista. E se a igreja nunca foi perfeita, quantas vezes de facto inquisitorial e do mundo das trevas, mesmo assim o outro tal poder foi bem pior. Arvorou-se do povo e para o povo mas ao mesmo tempo dizimava esse mesmo esse povo.

Acabo dizendo-lhe que o meu amor cristão – não praticante e não concordante com centenas de actos que mancharam uma imagem que se queria imaculada, pouco representam de opressor ou homofóbico. O mesmo já não posso dizer do seu socialismo uma vez que, provado como está, nenhum objectivo verdadeiramente grande foi alcançado por meios vis. A vileza ou a desumanidade duma dada trajectória torna algumas pessoas vis e com um fim inatingível.

Mário Rui