quarta-feira, 14 de março de 2012

Ortografias e outras manias



Já um destes dias discorri sobre o Acordo Ortográfico que algumas mentes brilhantes portuguesas decidiram impôr por decreto lei. Como ainda hoje não vislumbrei qualquer vantagem neste acordo, continuo convicto, isso sim, de que na génese deste compromisso linguístico, apenas estão interesses económicos, corporativos e de uma outra natureza, essa sim, insondável e pouco confiável, ou não fosse ela engendrada por alguns portugueses desconhecidos e muitos brasileiros duvidosos.

Que interesses? Coveniências pessoais, de grupo e, olhando em redor destas duas jovens democracias e seus exemplos de beberagem narcótica, até me parece que se tratará também da força despótica da renovação primaveril que não se vê antecedida de chuva.

Afinal, é esta a questão! Para quê o Acordo Ortográfico? Clamam os portugueses por escrever “ação” em vez de “acção”? Existe ou existiu algum movimento, entre os que escrevem livros ou nos jornais e nas revistas ou entre os professores de português, para que seja alterado o nosso modo de escrever? Não!

Andaram ou andam aflitos os agentes económicos portugueses, pela perda de mercados ou de negócio por causa da maneira como escrevemos a nossa língua? Não!

Então, para quê empurrar e impor por via legal uma grafia para as palavras baseada na comparação com a grafia utilizada pelos falantes de português de outros países, mas onde a língua, muito naturalmente, seguiu e segue outros rumos e teve e continua a ter outras influências – diferentes, evidentemente, do português falado e escrito em Portugal?

O acordo ortográfico não tem qualquer vantagem para os brasileiros, os angolanos, os moçambicanos, os cabo-verdianos, os guineenses ou os portugueses. E tem desvantagens óbvias. Quem ganha com o acordo e o que se ganha com ele? Esta é a questão importante. E só vejo duas respostas.

Primeiro, ganham os intelectuais que fizeram o acordo, que ficam assim na história. Triste maneira de ficar na história, diga-se de passagem: como autores de listas de palavras. Enfim. Segundo, ganha talvez o Brasil, porque usa o acordo como uma maneira de tentar cativar os mercados africanos, para se abrirem mais às exportações do Brasil e menos às da China.

Contudo, não é o acordo em si que facilita tais exportações: é apenas um sinal de aproximação do governo brasileiro que poderá fazer os governos africanos abrir-lhes mais as fronteiras. Não haverá uma maneira mais simples de conseguir esse objectivo? Penso que sim.

Acordos comerciais bem pensados e economicamente vantajosos para todos os países que falam português não serão difíceis de conceber e efectivar. Bom, excepto para quem pensa que mudar a ortografia de dois por cento do léxico é um passe de mágica para a afirmação do português no mundo.

Tudo isto vale para o esteta pelas sensações que lhe causa. Afinal, tudo isto bem me contentaria se eu conseguisse persuadir-me que esta teoria não é o que é.

Mário Rui