domingo, 17 de fevereiro de 2013

Da natureza das coisas




















Corria o ano de 1937, já quase no seu fim, quando foi promulgado o decreto para valer como lei que recebeu o n.º 28219. O dito estabelecia então uma licença anual obrigatória , pesadamente paga pelos portugueses que usassem “isqueiro” ou outros “acendedores”. Naquela altura, o Estado mostrava-se implacável com quem pretendia aproveitar-se dos avanços da tecnologia , e então fazia pagar por essa liberdade todos aqueles que se propunham empobrecer a protegida indústria fosforeira. Mais tarde passou por cá mais um avanço da tecnologia. O “rádio-transistor”. E, então, português que se prezasse, lá encostava o “transistor” ao ouvido para, alegremente umas vezes, tristemente outras, escutar o que o regime de antanho queria dizer ou fazer. Bom, quer no caso do “isqueiro”, outros “acendedores” ou “rádio-transistor, sendo que para este último também se pagava uma taxa, qualquer simples utilizador dos mesmos sempre andava escondido quer fosse para acender o cigarro ou ouvir rádio. De outro modo, corria o risco de ser fortemente penalizado por umas personagens aberrantes, fiscais das finanças ou mesmo da polícia, cujo único modo de vida era justamente andar à caça destes “malfeitores”. Já estávamos no século XX mas a verdade é que aqueles bacocos governantes não percebiam, ou não queriam perceber, que o mundo pulava e avançava em nosso redor, sendo que por cá havia um em especial que se dedicava a pensar por todos os portugueses. Tudo isto se passou, vejam bem, há 76 anos. De então para cá, fruto de 'notáveis avanços da ciência e do pensamento português, sobretudo do político', voltámos às origens. Já não se trata de gerar combustões ou cantarolar ao som do ‘transistor’, mas antes de guardar a factura mesmo que se trate de comprar ou vender o canário. Contribuinte que não se resguarde, é criminoso. Esta medida do Governo, decretada pelo senhor Gaspar, acaba por ser uma medida tão ‘pidesca’ quanto o foi a saída em 1937. Em tudo igual, até na violação dos mais elementares princípios de defesa da privacidade dos cidadãos. Julga este economista que extorquir dinheiro ao mais humilde e honesto português, é imperativo nacional. Nem a crise acumulada por culpas ao longo dos últimos 40 anos se resolve desta maneira, nem o tal incauto cidadão a deve pagar feito único contribuinte líquido do reino do saqueamento. Já alguém disse que, "quem só sabe de economia, nem de economia sabe", motivo pelo qual este governante já há muito que aborrece as pessoas que dizia mais admirar; os portugueses. Claro que se todos nós fossemos sinceros em dizer o que sentimos e pensamos uns dos outros, em declarar os fins e os motivos das nossas ações, seríamos certamente seres odiosos e não viveríamos em sociedade. Mas como já tenho tempo que chegue de experienciar esta gente e estes despautérios, e acresce a este estado uma tranquila consciência de espírito, só me apetece mesmo dizer que a barateza de quem põe em prática medidas desta natureza, só desacredita os que governam, e não honra os governados. Afinal, o absolutismo do rei, do ditador ou do tecnocrata, em pouco difere. No teatro deste mundo, todos os actores e bailes são mascarados.

Mário Rui