sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Cinco para a meia noite
















Faltavam cinco para a meia-noite. Foi há dias na RTP1. Foi convidado e, qual Cinderela, chegou à festa mesmo a tempo de não perder a sua coerência, não fossem soar as doze badaladas e perder toda a magia que a fada-boa havia depositado no seu regaço. Falou, falou, e como durante os primeiros minutos de tão encantada aparição mais não fez senão zurzir de novo no actual governo, o que já me chateia enormemente, não porque não deva apesar de não saber se possa, mas antes porque o não fez de igual modo quando o anterior era chefiado por Sócrates, e já agora diga-se que também um excelente governo, lá verberou ainda e mais uma vez.

Curioso. Começou, como já disse, pelo governo de Passos. Percebe-se. Assim tinha de ser para que todos entendessemos o objectivo da reconstituição do seu próprio caminho desde o Pretório até ao Calvário. Sempre o mesmo. Abaixo a social-democracia, viva o socialismo. Mas ... não é quase a mesma coisa? Bom, adiante.

Nesta fase do seu esplendor televisivo e marcadamente jesuíto-depreciativo, próprio do que é ou de quem é fingido ou dissimulado, lá foi cantando e rindo. Mas o espantoso, veio depois.

Virou a agulha e começou a falar de futebol. Aí é que eu me passei e lhe vislumbrei uma nova face. Então não é que o bispo-major-general acha que o governo é como um certo clube – ele não quis dizer o nome para não ferir susceptibilidades, palavras do próprio,  mas eu como bom benfiquista refiro-o com sendo o Glorioso SLB – que previamente diz sempre que vai ganhar o título e depois é outro quem o conquista. Citei novamente o próprio.

Nesta altura do campeonato o bispo abre o seu bondoso coração mas a bolsa não  - ver aqui para não esquecer – e, ternamente, confessa que o conquistador é o clube da sua devoção. O Futebol Clube do Porto, carago! Pronto! Se antes estivera a falar do tal modo dissimulado a que antes aludi, quando o registo passou para a bola, aí sim, abriu o livro, a sua doce e espigada alma e, finalmente, a sua verdadeira coerência. Quem assim fala não merece castigo. É-se de um clube por amor-próprio e ponto final. Tal como o amor. Não se discute. É!  

No entanto, ao vê-lo falar assim, ficou-me a estranha sensação de estar em frente a um outro, a quem alguns já chamam de Papa, e ficou-se-me gravada mentalmente uma interrogação. Será, mas será que o bispo lhe quer roubar o lugar? Será que quererá acrescentar mais um título e saltar para bispo-papa-major-general, como o Ansumane Mané da Guiné? Lembram-se? Mas isto sou eu a brincar. Com o futebol, entendamo-nos.

Quanto à político-partidarite, vinda de quem vem, é que eu não gosto nada de brincar. Aí é que vale verdadeiramente a coerência. Aquela que nos traz sustento quando em presença dos nossos interlocutores. Sejam eles os políticos, os bispos ou o comum do cidadão. Mas como mais uma vez me deu para  dissecar a propósito de D.Januário e suas intervenções cívicas, continuo a não lhe perdoar estes dois pesos e duas medidas no campo particular da política. Se é que o deve e pode fazer.

Convém nunca esquecer que, regra geral e em Portugal, a vitória de uma facção política é ordinariamente o princípio da sua decadência pelos abusos que a acompanham. Não queira o senhor bispo engrossar ainda mais o caudaloso rio de imprudências que já tantos nos obrigaram a transpôr. Às vezes  a intemperança da língua não é menos funesta para os homens que a da gula.

Mário Rui