sexta-feira, 1 de maio de 2020

O ‘nosso’ mar da Torreira


O ‘nosso’ mar, é assim. Umas vezes dá à praia coisas admiráveis, fantasias toscas e impolidas, mas de traço forte. Se foi ele a moldá-la, ou se alguém a lançou borda fora, desconheço. Sei que ofereceu à costa a peça, como querendo dizer que a arte que sai da onda leva consigo uma espécie de formosura. E lá ficou a formosura quietinha no areal por não sei quanto tempo. Um dia, um belo dia, foi a mão amicíssima de um familiar a trazê-la para casa. Por cá ficou, por cá se mantém, o que prova que assim que o ‘nosso’ mar veio ao mundo, só em se mostrar, disse o que havia de ser. Bate certo, a cantiga; “O mar enrola na areia, Ninguém sabe o que ele diz, Bate na areia e desmaia, Porque se sente feliz”. E o resto do ’nosso’ mar, é coisa que contém riqueza imensa para quem se souber servir dela.



Mário Rui
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Desconfinadamente


Governo anuncia medidas de desconfinamento e eu penso desconfiadamente. E porquê? Porque espero que a população aja prudentemente. Se infelizmente assim não acontecer, estamos todos perdidamente lixados. E não será por causa dos advérbios de modo. Será mesmo por atitudes inconscientemente tomadas. Fiquem bem, duradoiramente.



Mário Rui
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Ainda bem!


Foram à reunião à mesma hora, na mesma cidade, no mesmo prédio, o mesmo interlocutor e todos de gravata. Ainda bem!

Tão iguais, tão parecidos, tão semelhantes, tão estruturalmente dedicados, que apenas o sistema capilar torna fácil distinguir o Filipe do Nuno e o Varandas do Pedro. Se for ao contrário, vair dar ao mesmo. Ainda bem!

E não tiveram que provar as suas identidades pois se tivessem de o fazer, todos tinham de se descompor! Ainda bem!

E nenhum disse; - a sua presença nesta casa é desnecessária, para não dizer inoportuna, inconveniente e censurável. Ainda bem!

O resultado? Um empate, com prolongamento e tudo. Ainda bem!

Simplesmente fantástico. Com toda a certeza não houve tamanho regozijo quando D.João I arrumou com os espanhóis em Aljubarrota. Ainda bem!

Enxugo a fronte às costas da mão e saúdo-os pela união. E digo-lhes adeus com a mão, com a mão aberta. Ainda bem!

Vê-los juntos e aprumadinhos, foi um consolo. Ainda bem!

Só não desejo é outra pandemia como razão única capaz de os voltar a juntar. A de hoje, é-nos muito cara. Ainda mal!

Bem que já podiam ter feito destes ajuntamentos cordatos a razão de ser do nosso futebol.

Mas como o Verão, que é o futuro do verbo ver, está à porta, logo veremos, que é para eu voltar a dizer; AINDA BEM!



Mário Rui
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Do neolítico até à informática, e veio um pingo e mudou o mundo


Questão sobre a qual muita gente se debruçará hoje, será a de saber o que virá de quotidiano logo que se vá em definitivo o vírus. Se calhar não tanto pensando em hipotéticas novas realidades, essas são mais do que certas, mas antes no modo como vamos conviver com elas. Claro que não sendo conhecida a composição de dias futuros, fácil também não será encontrar hoje roupa que lhe sirva e assim sacie o nosso roupeiro de dúvidas. No entanto, há já uma certeza e essa parece-me inquestionável. Não tendo ainda começado a segunda parte do confronto entre o que já fomos e o que vamos ser, bem podemos estar cientes de que haverá uma enorme diferença entre aquilo que já vivemos e aquilo que é pensado sobre aquilo que falta viver. É pena é que tenha sido a irrupção inesperada de um acontecimento de peso, a determinar uma nova hierarquia de compromissos, de posturas sociais, de trilhos individuais, de actividades humanas, de valores e de crenças. Há quem defenda a pós-pandemia como podendo ser uma lufada de ar fresco que melhore estas condições já de si muito ocas de recheio. Mas também há quem entenda que a profundidade das coisas acontecidas, não trará grandes conversões à vida de cada um. O problema, quanto a mim, é que esta emergência actual e o cenário mundial que lhe sucederá, já não podem ser pensados e decididos a partir dos nossos velhos instrumentos analíticos preferidos. De resto, a prova disso mesmo é que não fomos capazes de manter o mundo nos carris quando confrontados com o minúsculo parasita que o pôs fora dos eixos. Agora, o que eu acho importante é que tomemos a nosso cargo o que está a acontecer, e sobretudo aquilo que será o futuro, sob pena de ver mais um sonho de vida transformar-se em pesadelo.




Mário Rui
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Torreira 2020





Mário Rui
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Chernobyl - 26 de Abril de 1986


Trinta e quatro anos depois da explosão de um dos seus reactores, em 26 de Abril de 1986, uma zona de exclusão ainda vigora em redor da instalação nuclear de Chernobyl, na Ucrânia - ao tempo uma das repúblicas da antiga União Soviética.
Poucas coisas provocam mais fascínio do que os lugares que foram construídos para as pessoas, mas onde não há pessoas.
Edifícios abandonados, estruturas enferrujadas e ruas que antes eram lotadas hoje reconquistadas pela vegetação, são um poderoso símbolo da passagem do tempo,da nossa futilidade como espécie e também uma imagem impactante do que poderia ser um mundo no qual o ser humano não mais existiria.



Mário Rui
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Dos muitos “ólogos” do meu país vendedores de fumos e lumes correlativos


É só ver qual deles chega primeiro.

E entretanto chegaram os ideólogos e com eles veio aquele fragor de um choque de ambições e interesses pessoais. Não se fizeram rogados os tudólogos. O seu poder de acção e contágio tornaram-se formidáveis, avassaladores. Vibraram poderosas as suas vozes, magneticamente mesmo. Iguais à voz que saiu da boca dos Apóstolos. Os optimólogos, como a claridade de uma aurora nova, levaram-nos a um raiar afinal igual ao anterior. Às vezes, é bom comparar. Os colapsólogos disseram-nos que vinha o caos. Até o próprio ar que se respirava ia mudar. Já do Céu, juravam, ia ver-se perdido. Chamaram então o ferreiro, julgando-o meio astrólogo, e encomendaram-lhe um corisco novinho em folha. Mudava-se o firmamento, havia novo farol e a navegação passava a guiar-se de noite e de dia da janela deste, que afinal era tecnólogo. Pediu-se depois um fisiólogo, acabadinho de publicar um estudo muito interessante sobre as funções sociais dos treatólogos de hoje. Leram-no os sociólogos e disseram que andavam por aí demasiadas cenas de carregar pela boca. Concordou o filólogo ao alvitrar que a língua da obra era coisa de andar por casa. Ripostou o grafólogo, irritado, quando garantiu que também servia para andar na rua, mas para isso era preciso levá-la. Mas má-língua na rua, como afiançou o ecólogo que na língua papas não tinha, era coisa para fazer só meio-ambiente. Foi quando entrou o geólogo. Para mim, disse ele, já descemos tanto na análise que o melhor é levá-la ao teólogo. E a análise lá foi mas saíu como entrou. Não era aquele o esperantólogo que lhe convinha. Para análise certeira, alguém sugeriu, é chamar o futurólogo. E chegou o dito e disse; - tenho noventa e cinco anos, mas ainda estou em excelente estado de conservação. Para adivinhar é que não. Peçam antes ao pensólogo, ao seu homólogo, ao opinólogo ou mesmo ao sabinólogo. Esses é que entendem da poda. De repente, sai sem se saber donde um acertólogo que logo resolve a dificuldade e assevera; - tenho a solução! Convidem um anatólogo que eu cá sei e é trigo limpo, farinha Amparo. Impávidos ficaram todos os outros “ólogos” e pediram-lhe melhor explicação. É fácil - disse ele. É um anatólogo tão brilhante, professor na Faculdade dos Mentólogos, que colecciona abortos, alguns dos quais são já hoje seus colegas de cátedra. E tudo ficou esclarecido. E mais! Todos os “ólogos” do país ficaram ainda mais sabichólogos. Finalmente a República podia dormir. Reinava o sossego, e com sapiência. Boa noite.



Mário Rui
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25 de Abril





Mário Rui
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Salreu-Estarreja





Mário Rui
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As Time Goes By (A kiss is just a kiss)





Mário Rui
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