quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Sonhos























Mário Rui

La Historia me absolverá







































Em sociologia, uma sociedade é o conjunto de pessoas que compartilham propósitos, gostos, preocupações e costumes, e que interagem entre si constituindo uma comunidade. É uma definição que pressupõe um objectivo comum ou seja a conjugação de esforços que conduzam a fins que a quase todos satisfaçam sendo que, na prática, não se tornando possível a todos agradar assim tão simplesmente, se opte por lançar-se mão de outras formas e modelos de organização tendentes a mitigar diferenças de pensamento e acção. De resto esta é a forma mais usual a que se recorre de modo a que se atenuem convicções por vezes irreconciliáveis. Pelo menos em sociedades humanamente evoluídas.

Dito isto, já todos percebemos que afinal é também nesta diversidade que as sociedades assentam o seu edifício. E quando a divergência se manifesta, há sempre meios para a discutir e para lhe dar o melhor encaminhamento. É evidente que a rota a seguir deixa pelo caminho vencedores e perdedores. Em todo o caso, em sociedades justas, os mecanismos organizacionais que levam à constituição de comunidades mais ou menos avançadas, ainda não conseguiram dar solução mais satisfatória para esbater as referidas diferenças que não recorrendo a regimes ditos democráticos.

Assim sendo, a democracia acaba por se traduzir em regime caracterizado pela participação popular e o modo pelo qual essa participação se dá, permite estabelecer dois tipos de democracia, ao mesmo tempo divergentes e complementares; a directa, em que todos os indivíduos de uma comunidade manifestam a sua opinião sobre os assuntos concernentes a esse mesmo aglomerado, votando em assembleias ou reuniões colectivas, e a representativa, em que a sociedade elege representantes a quem delega o poder para tomar decisões. Bons ou maus, em função da opinião de cada um per si, estes parecem ser, até hoje, os modelos com melhores resultados para um conjunto grande de indivíduos. Talvez a maioria.

Depois vêm, porque também existem, todos os outros modos de organização colectiva que vão desde a ditadura de muitos sobre poucos, de poucos sobre muitos e de um só sobre todos. Nestes casos, o traço comum reside a todo o momento na vantagem déspota de um só, que não tolera que a sua vontade seja contraditada. Ainda que conceda muitos privilégios aos governados, nem por isso deixa de ser um ditador. Sempre aspira à obediência passiva dos mais fracos. Esta visão de sociedade assim organizada é redutora e sobretudo castradora dos direitos que a todos assistem. Não é melhor que a democracia e é seguramente condenável. Evoquem-se os ditos que quisermos, mas contra factos não há argumentos.

Seguindo este raciocínio, resolvo agora trazer à colação o caso paradigmático de Cuba e de Fidel Castro. Venerado por uns e odiado por outros tantos, ou mais, diz-se agora – talvez dada a aproximação da viagem final – que se tratou de um verdadeiro líder. Sou dos que acham que não será tanto assim. Não consigo conceber - defeito meu - que alguém que pediu para exercer a sua própria defesa para denunciar abertamente, com crueza, e bem, os excessos da sangrenta ditadura de Fulgêncio Batista, tenha ele próprio optado, com a sua subida ao poder, por acertar um pacto entre os seus súbditos: quem concordasse com o regime continuaria em “liberdade”. Quem discordasse – e há muitas maneiras de discordar dele – sofreria as consequências. Do mesmo modo que Cuba ficou conhecida internacionalmente, pelo menos em tese, por dar oportunidades iguais a todos, também ficaram famosos os casos de perseguição, enclausura, morte a dissidentes – sem distinção.

O modo como Fidel governou o país, repito, independemente de todas as benfeitorias que trouxe ao seu povo, não lhe podem conferir o estatuto de verdadeiro estadista. E esta minha convicção é tão válida para ele como para qualquer outro dirigente com iguais princípios. Entendo que num quadro de referências políticas que se preze, não há lugar para quem tem as mãos manchadas de sangue.

Quando alguém proclama, sob diversos disfarces mal alinhavados, o desaparecimento ou a morte como solução final para um problema da democracia, estamos no fim da linha. Nem sequer acredito que alguns chamados "ditadores benevolentes", se é que os há, possam ser vistos como benéficos e a sua liderança vista como um "mal necessário". Isso são tretas!

Fidel Castro, repetindo outros tiranos , disse certa vez que a História iria absolvê-lo. Tenho dúvidas! Defendo a liberdade e repugna-me a tirania. Mas nem por isso os amantes da liberdade podem aceitar que se proclame como um valor aceitável a humilhação e a morte física de um velho ditador. Também não a aceito.


Sir Charles Spencer "Charlie" Chaplin, discursava assim no filme “O Grande Ditador”

O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nós extraviámo-nos. A cobiça envenenou a alma dos homens… levantou no mundo as muralhas do ódio… e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criámos a época da velocidade, mas sentimo-nos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos cépticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

Mário Rui