quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A relativa medida de ver as coisas


















Morreu na passada terça-feira o líder comunista espanhol  Santiago  Carrillo. Sobre o mesmo já muito se escreveu. Toda uma vida dedicada a uma causa e, por isso mesmo, para os menos avisados, parece ficar a memória de um homem coerente, lutador, enfim talvez um homem bom. Depois de lida a sua hisória de vida, tudo se altera. A imprensa deu nota do seu desaparecimento. Como é habitual, especialmente por parte de uma certa imprensa, foram-lhe tributados os mais rasgados elogios. Mas é pena que só uma das facetas deste homem tenha sido lembrada.  Os que mais atentamente seguem este modo de fazer notícias ficam sempre defraudados com este ‘rigor’ jornalístico. Quiséssemos nós acreditar  em tais factos, ditos ou escritos, e mais não conseguiríamos senão o rótulo de simples papalvos que tudo engolem, fruto de uns 'opinion makers'  que apenas nos dão as receitas que mais lhes convêm. Por mim, mesmo que o homem possa ter sido? um farol para muitos, tudo nele se esfuma e perde razão quando lida a sua passagem por este mundo selvagem.  Enquanto Conselheiro da Ordem Pública, respondendo directamente perante Largo Caballero, foi o responsável pela aplicação do terror de massas, pela coordenação das duzentas checas existentes em Madrid, assim como da gestão dos massacres multitudinários de Paracuellos del Jarama, onde em inícios de Novembro de 1936, foram executadas cerca de 3 000 pessoas tidas por inimigas da República. A maioria dessas vítimas eram padres, religiosas - algumas de setenta e oitenta anos de idade - membros da aristocracia, simples professores, comerciantes e até crianças de colo.
Há poucos anos, familiares e descendentes das vítimas moveram uma acção a Carillho, ao PCE e ao governo espanhol. A acção judicial foi recusada por Baltasar Garçón, o homem que provocou a detenção de Pinochet com o argumento do envolvimento do ex-chefe de Estado chileno na desaparição de 3000 opositores. Muitos defenderam a inocência de Carrillo naqueles massacres. Contudo, após o colapso da URSS, abertos os arquivos do Comintern, confirmou-se o directo envolvimento do líder comunista na preparação de listas, logística, transporte e abate de prisioneiros. Carrillo foi acusado por Enrique Lister nas suas Memorias de un luchador, e Dimitrov confirmou o carácter implacável do homem que viria a ser um dos fundadores do chamado euro-comunismo. Mais, Carrillo foi também responsável pelo morte de muitos anarquistas do CNT e de centenas de comunistas espanhóis libertados dos campos de concentração alemães no imediato pós-guerra, considerados "infectados pelo vírus do fascismo".
Há anos, a Universidade Autónoma de Madrid concedeu-lhe o título de doutor honoris causa. Vá lá eu perceber este mundo! Então, mas entre Carrillo e o carniceiro Pinochet que diferenças podemos ver? Apenas uma. Para tudo na vida há sempre dois pesos e duas medidas. É tudo uma questão de melhor ou pior intoxicação informativa.
Bem gostava eu que me ensinassem do valor sagrado da justiça – da justiça que apenas tem em vista o bem dos outros, e para si mesma nada reclama senão o direito de ser posta em prática. A falta de ética, o torpor dos sentidos e a cobardia de muitos não são mais que a prova provada de que, afinal, tudo é relativo.
O que faz falta é a pestana bem aberta. Façam-no, em vosso próprio proveito.
É o mundo em que vivemos.
Mário Rui

Para a biografia de Mário Soares ficar completa, precisa destas entradas...

Aproveitando a colaboração de um comentador:

« Sob o governo de Guterres [...] os cofres do estado abriram-se generosamente para a Fundação Mário Soares. Instalada num edifício camarário, recebia 7 500 contos anuais do governo para arrendar um gabinete a Soares (a que este tem direito como ex-presidente). O Ministério do Ambiente [sabemos quem era o ministro?] atribuiu-lhe 300 mil contos para uma nova sede; só o partido «Os Verdes» questionou a relação entre a Fundação Mário Soares e o meio ambiente. No final de 2001, através do ministro da Cultura, Augusto Santos Silva, recebeu 6 000 contos só para digitalizar os arquivos [umas jóias guardadas: documentos inéditos do G.O.L. dos anos 1910-34]. Durante cinco anos, Soares obteve do estado, para a fundação, 752 807 contos.

[...] Após dois mandatos, quase octogenária, Maria Barroso ficou dispensada da presidência da Cruz Vermelha pelo ministro da Defesa, Paulo Portas. Gerou-se polémica de alta densidade, como se o domicílio dos Soares fosse a nação inteira.»

J. Freire Antunes, Os Espanhóis e Portugal, 1.ª ed., Oficina do Livro, [Lisboa], 2003, 521, passim.
« [...] O tal Soares aqui deu o espectáculo da sua mediocridade, da sua demagogia parva, e andou no meio da praticamente total abstenção dos portugueses, a fazer gestos vãos e gaffes valentes, com alguma audiência da esquerda, e o necessário amparo oficial. Aí a imprensa apresenta a viagem como extraordinário êxito de um estadista... etc. etc.. Seria necessário ler a daqui para ver como foi...»

Rio, 4.I.77. Carta do Professor Marcello Caetano ao Autor.

Joaquim Veríssimo Serrão, Correspondência com Marcello Caetano: 1974-80, 2. ed., Bertrand, Venda Nova, 1995, XXXV (p. 73).

Sobre a contribuição para a Fundação lembro-me muito bem da história dos 300 mil contos. Na altura já houve alguma polémica, por causa do valor e de ter recebido pouco tempo antes uma importância igualmente elevada.

Porém, este indivíduo vive sempre em estado de graça com os media, o que é bem exemplar da mediocridade e cretinismo dos que os dirigem. Isso por um lado; por outro subsiste a venalidade de serem subservientes para quem os adulou durante o consulado como presidente.

Porca miseria, como diriam os italianos.

in "Portadaloja", Setembro 2012

Mário Rui