quarta-feira, 25 de julho de 2012

Inteligência rara à vista
















As opiniões de alguns homens, especialmente políticos,  ressentem-se da pequena esfera das suas ideias, conhecimentos e das doutrinas e localidades que lhas sugeriram. É pena. Por toda a parte se alega razão e não se descobre senão ódio, oposição a qualquer preço. Este país precisa de alguma união e não de partidarite aguda. Mesmo que os rivais políticos se degladiem por ideais diferentes, essa não é razão substantiva para que se distorçam palavras ditas, venham elas de onde vierem. Manda a honestidade mental que não se jogue nesse campo. Há tempos foi "piegas" , hoje é "que se lixem as eleições, primeiro está o país". E isto serve de pasto aos mais variados e iníquos comentários, vazios de conteúdo e que não dão pão a ninguém. É verdade que somos piegas, é verdade que se lixem as eleições se o interesse nacional for, e é, mais importante que ganhar votos. O que adianta esta truculência palavrosa do Sr. Zorrinho ao país? Baixa de impostos? Décimo terceiro mês assegurado? Ordenado mínimo nacional a subir? Exportações em crescendo? Tratem de assuntos sérios  e deixem-se de truques rasteiros que só empobrecem ainda mais Portugal.

Mário Rui  

Inteligência rara à vista

O líder parlamentar do PS comentou uma frase de Passos Coelho que toda a gente percebeu ter um sentido preciso. O referido líder, no entanto, conseguiu descobrir um sentido oculto e pérfido na expressão. Vem citado pelo Diário de Notícias:

Para o líder parlamentar do PS "quem se está a lixar para as eleições", como o primeiro-ministro, também se está "a lixar" para os eleitores.

Estas palavras forma proferidas por Carlos Zorrinho aos jornalistas no final da reunião do Grupo Parlamentar do PS, depois de confrontado com o teor de declarações proferidas segunda-feira pelo primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho.

Pedro Passos Coelho disse que os deputados do PSD e os membros do Governo têm um mandato para resolver os problemas do país e disse: "Que se lixem as eleições, o que interessa é o bem de Portugal".

Perante estas palavras do primeiro-ministro, o presidente do Grupo Parlamentar do PS comentou: "As eleições são um momento em que o povo se pronuncia e, portanto, quem se está a lixar para as eleições em certa medida está-se a lixar para os eleitores".


Nem de propósito, um pequeno artigo de Vasco Graça Moura no
mesmo Diário de Notícias de hoje explica os tortuosos caminhos da inteligência rara daquele: Conta-se que certa vez, à chegada a Nova Iorque de uma alta figura do Vaticano, houve um jornalista que lhe perguntou se tencionava visitar os clubes nocturnos da cidade. Embaraçada, a eminência tartamudeou qualquer coisa como: " Há clubes nocturnos em Nova Iorque?". E, fatal como o destino, no dia seguinte, lá estava um periódico a pôr na primeira página que essa tinha sido a primeira pergunta do cardeal fulano ao descer do avião...

Sinto-me solidário com o cardeal. Numa entrevista recente, perguntaram-me qual seria a primeira medida, note-se a "primeira medida", que eu tomaria se fosse ministro ou secretário de Estado da Cultura. Respondi que provavelmente seria pedir a demissão. E esclareci que a razão seria a de não me apetecer desempenhar o cargo.

Houve gente que não percebeu a ironia da resposta e a notícia correu célere. Se eu fosse ministro da Cultura, pediria a demissão e pronto, estava tudo dito! O grau de analfabetismo e de precipitação demonstrado pelo estrépito desse citacional alvoroço mostra bem como, no espaço público, há criaturas que não são capazes de ler um texto e de lhe entender o sentido.

Mas isto nada é, comparado à interpretação das minhas palavras feita pelo formidável dr. Zorrinho, facundo ex-deputado socratista e actual deputado segurista. Do alto da sua autoridade exegética, este professor catedrático da Universidade de Évora, doutorado em Gestão, na especialidade de Gestão da Informação, mostrou-se bem menos capaz de gestão da informação do que propício a uma perversa congestão ou indigestão da mesma.

Com efeito, o dr. Zorrinho veio logo à liça dizer com o denodo habitual que eu pedia a demissão do primeiro-ministro. Algumas pessoas, quedando-se perplexas ante esse meu abominável comportamento, telefonaram-me a perguntar o que era aquilo. Eu não sabia e fui ver as notícias. Era verdade. Confirmando que "les portugais sont toujours gais", o dr. Zorrinho tinha proferido a esfuziante acusação.
Fiz então algumas desvairadas conjecturas, até que me pus a pensar cá com os meus botões que a mais plausível era a que passo a expor. Num dos acessos de delírio tremendista que têm vindo a acometer frequentemente os próceres do pensamento e do comportamento socialistas, este dr. pensou assim e, se bem o pensou, melhor o disse: o PM tem as funções de ministro da Cultura; VGM disse que se fosse ministro da Cultura apresentava a demissão; logo, VGM pede a demissão do PM. Fica-se deveras atordoado com o rigor implacável e adamantino do silogismo. Por mim, confesso que tardei a recompor-me.
É claro que já seria grave que o dr. Zorrinho se tivesse esquecido de ler a entrevista antes de se pôr a perorar assim, se não fosse típico dos responsáveis socialistas navegarem na rala espuma dos dias e na mera periferia das questões. Mas se acaso a leu, então as coisas tornam-se assaz caricatas, para um especialista em Gestão da Informação. Não se pode gerir o que não se percebe e o dr. Zorrinho não conseguiu decifrar o sentido daquela parte da minha resposta, para ele, pelos vistos, capciosa e notavelmente obscura, que dizia assim: "Não me apeteceria desempenhar o cargo. É tudo."
E também é muito pior, na medida em que o impagável dr. Zorrinho interpretou a minha falta de apetência pessoal pela pasta da Cultura como crítica ao PM, esse PM que, além de ser saudavelmente indiferente aos meus apetites ou desapetites ministeriais, eu elogiei na mesmíssima entrevista num sentido que envolvia o meu evidente apoio à sua continuidade em funções (esta observação é também gostosamente dirigida à célula de canalhas anónimos e filhos de pai incógnito que costumam pôr-se aos uivos com os meus artigos, aqui na caixa de comentários do DN, e a quem da próxima vez terei a justeza de chamar hienas fétidas).
Enfim, mesmo admitindo que o dr. Zorrinho tenha conseguido fazer sem favores o exame de Português da quarta classe, admiro-me de que se tenha alçapremado ao doutoramento e chegado à cátedra. E também me pergunto se é isto o que o PS, principal partido da oposição, tem para propor aos portugueses: distorção e má-fé, falta de senso e de inteligência, oportunismo e manipulação, asneira e mediocridade.
Repito que me sinto solidário com o pobre do cardeal. O que não lhe aconteceria se o dr. Zorrinho se pusesse a citá-lo no dia seguinte?


in 'portadaloja' - 25 de Julho de 2012