quarta-feira, 9 de maio de 2012

Obscenidades

















Qualquer coisa vai mal no reino de Angola. Os colonizadores lutaram por um estilo de vida que pudesse trazer algum bem-estar às populações locais. É certo que nem sempre o fizeram do melhor modo. De resto, a luta armada dos movimentos de libertação angolanos acabou por correr com quase todos eles. Atitude ainda hoje discutível, mas alguns angolanos e uns tantos 'portugueses bem pensantes', assim o determinaram.

Na tentativa de defender interesses portugueses lá instalados, Salazar enviou tropas. Esforço sem visão, já que de facto aquele território não era nosso. Em sua defesa, vã, morreram milhares de soldados portugueses. Abnegados e honestos soldados que, enquadrados na conjuntura de então, no mais das vezes nem tinham ideia do que defendiam. Partiram deste mundo, tão simples e tão ingloriamente. Políticas. De ontem e de hoje.

Em todo o caso, quer-me parecer que as canseiras de alguns destinaram-se tão-só a satisfazer os luxos de outros. Atentem bem nestas imagens e digam-me lá se foi para isto que o povo angolano também se sacrificou. Simplesmente obsceno! A ideia de liberdade moral é do domínio do primitivo no que toca à nomenclatura deste país.

Mário Rui



Um fim amargo





















Lembro-me bem: era uma noite quente de Verão quando nos beijámos na praia. Sentia-me confiante, seguro e talvez por isso não tenha perdido tempo. Não hesitei. Acabei por partilhar contigo as minhas paixões e motivações e tu as tuas. Atraía-me o teu cheiro, a forma como te vestias e como parecias tão genuína naquilo que dizias e fazias.

As SMS no final da noite já a caminho de casa, as mensagens no vidro embaciado do carro, as surpresas a meia da noite, tudo fazia parte da forma como eu encarava a nossa relação. O problema é que eu a encarava não como ela era na realidade, mas como eu desejava que ela fosse.

A pouco e pouco a verdade dos teus actos e das tuas palavras deixou de fazer sentido, mesmo que eu não quisesse nunca acreditar nisso. Custava-me acreditar nisso. E um dia, sem que eu quisesse acreditar também, despediste-te de mim e abandonaste os sonhos e as pontes que tínhamos construído para atravessarmos os dois os pontos longínquos que davam para o nosso futuro.

Disseste-me fria e cruelmente que não dava mais e deixaste de estar ali presente. Por isso pensei baixinho “vai à merda!”, querendo convencer-me de que isso me fizesse deter a raiva que passava a sentir por ti.

Eu sentia-me bem na pele de protector e sentia que tinha de cuidar de ti, das tuas fragilidades e inseguranças. Talvez por isso tivesse doído mais. Mas agora estou bem! E apesar de já cá não estares ainda continuas presente - tão presente. E quando tento tocar-te ou alcançar um pedaço que seja de ti, dou por mim a arrastar inutilmente o braço e o corpo, mas sempre sem te conseguir chegar.

Demasiado tarde percebi que tentações já não havia. Deixara de haver. Tudo deixara de haver. E como continuo sem te conseguir tocar, penso invariavelmente “vai à merda!”. Afinal a única tentação eras tu. E talvez ainda sejas!

Rui André  (in http://achobem.tumblr.com/)

V.P.V. e os cronistas


















“Primeiro, aprender a escrever. Convém. Com tudo o que isso implica. Segundo, saber algum assunto muito bem, uma disciplina muito bem, ou economia, ou história ou outra coisa qualquer. Ter uma formação básica boa. E depois, em princípio, nunca falhar, porque uma coluna é um hábito. As pessoas lêem o jornal, estão habituadas, é mais uma questão de hábito. “Deixa-me ver o que é que este diz hoje?” Se as pessoas falham ou são irregulares ou salta-pocinham muito… Por exemplo, eu começo sempre a ler a ‘Spectator’ pelo Taki [Theodoracopulos, comentador político]. Ele nunca falha. Só falhou há 30 anos quando foi preso, mas depois continuou a escrever.”

“E dizer o que se pensa. Se não disser o que se pensa, não é interessante. As pessoas vão à procura de uma diferença. Não se trata de fazer uma diferença. Há uns tontaços a fazer isso pelos jornais. Ninguém os leva a sério. O grande problema de se tentar ser original – não estou a falar dos que são mesmo – é inventar coisas para ser diferente e depois ter um mínimo de coerência. As coisas têm de ligar umas com as outras. Não têm que inventar discordâncias para se fazerem originais. Mas também não devem fazer o contrário.”

“Não vejo por que é que um colunista deva ser capado politicamente. O que acho é que não se pode ser as duas coisas ao mesmo tempo. Sempre que estive dentro de alguma coisa, parei [de escrever] – tanto durante o Sá Carneiro, como durante o MASP [Movimento de Apoio Soares à Presidência]. Não escrevi. Nem isso era possível com nenhum dos dois.”

Vasco Pulido Valente, historiador e cronista político, “Público”, 21-11-2011

Mário Rui